sábado, 3 de agosto de 2013

FRASES: - Frank Capra


“Um pressentimento
é a criatividAde tentando

te dizer algo."


A FELICIDADE NÃO SE COMPRA (It's a Wonderful Life, EUA – 1946)

O otimismo era um artigo de luxo na América empobrecida pela Depressão, e somente encontrado na obra de Capra. Este magnífico filme sintetiza todo o humanismo contido nela, no exemplo do homem comum e sua crença no fazer o bem sem olhar a quem. 

 o melhor filme que fiz. Atrevo-me a dizer que é o melhor filme de todos os tempos. Eu não o fiz para críticos intelectuais, chatos ou pedantes. O fiz para pessoas simples como eu, pessoas que talvez tivessem perdido o marido, ou pai, ou um filho. Para pessoas que estavam prestes a perder a esperança de sonhar, e tive que lhes dizer que nenhum homem é um fracasso." 

O filme possui um dos finais mais intensos já visto no cinema
A obra prima
"A alegria de fazer o bem é a única felicidade verdadeira." - Léon Tolstoi

Capra participou de todas as principais etapas do filme:
financiou, produziu, ajudou no roteiro e dirigiu. 
  
Sede blogueiro! Cochichou-me certa vez ao ouvido meu inseparável Anjo da Guarda. Sim meus caros leitores, faço parte do clube daqueles que acreditam piamente na existência de Anjo da Guarda. Eu e o personagem George Bailey. 

A Felicidade Não Se Compra consegue ser ao mesmo tempo um sombrio, melodramático, encantador, e mais todos os adjetivos que queiram usar, conto do pós-guerra. 
Uma das inúmeras qualidades deste filme imortal, é sua poderosa capacidade de levar à  reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida, sobre os acontecimentos por que passamos ao longo dela e nosso conceito de felicidade. Só este fato já o torna diferenciado, imprescindível e obrigatório. É o tipo de filme para toda a família e para se ver pela vida inteiraNem o uso de todos os adjetivos juntos é suficiente para dar uma ideia de sua importância. Por isto prefiro usar somente um: 'mágico'.

Com ele, Frank Capra resumiu de forma brilhante sua crença no "fazer o bem sem olhar a quem", retratando um personagem simples, altruísta e dedicado ao semelhante e à família. Seu herói se chama George Bailey, interpretado de foma magistral por James Stewart  (1908-1997). Ele é jovem, carismático, inteligente, talentoso, sério e dedicou sua existência a ajudar o próximo. É aquele tipo invejado por todos, principalmente as mulheres. Entretanto, à primeira vista, George passa a impressão de ser ingênuo e um fracassado. Porém, contrariamente a outros personagens de Capra como o João ninguém de Adorável Vagabundo (1941), ou o sr. Smith de A Mulher Faz o Homem, ele está longe de ser ingênuo. Ele escolhe agir como um, apenas como estratégia de vida. Poderia, e facilmente conseguiria, obter sucesso fora dos limites de sua pequena cidade. Possui muitos amigos que gostam dele de verdade, seu relacionamento com a família é ótimo, adora sua esposa, e os quatro filhos são a razão de sua existência. Existência sem grandes emoções, é verdade, mas envolvida por muito amor.

George, no escritório do banco.
George é gerente administrativo de uma associação imobiliária, um banco de poupança e empréstimo, de seu pai, na pequena cidade de Bedford Falls. E está prestes a entrar em colapso devido aos constantes conflitos causados pelas maquinações de um banqueiro cruel, ganancioso e de natureza egoísta chamado Henry Potter - Lionel Barrymore (1878-1954), que também é o homem mais rico da região. 

Há muito tempo George cultiva planos de viajar e realizar grandes proezas, e não deseja de forma alguma abrir mão dos seus sonhos, para seguir a carreira de banqueiro do pai. Ele passa a reconhece que sua vida (maravilhosa e verdadeiramente rica, mesmo que monótona), é de natureza sombria somente após passar por muitas dificuldades, contratempos e provações, incluindo o abandono dos sonhos de juventude para deixar a cidade e ir procurar fama e fortuna, sacrifícios, desânimo, perdas com a ameaça de ruína financeira, prisão e por fim o desejo do suicídio.
George em um de seus enfrentamentos ao sr. Potter.

As provações porque passa George são, em sua grande maioria, frutos das constantes maquinações do malévolo sr. Potter. Com a morte do pai, seu bom coração e senso de responsabilidade, que sempre o impediu de colocar seus interesses acima dos alheios, obriga-o a assumir os negócios da família, renegando assim os sonhos que tanto acalentava desde a infância. Apesar de construir um tipo 'bonzinho', muito comum no cinema, Frank Capra não deixa o personagem descambar para esse estereotipo. Portanto, George simboliza o cidadão comum dedicado a família, que não admite agir fora da ética, que pratica o bem e que se sente injustiçado ao ver que não obteve da vida a devida e merecida recompensa. E esse inconformismo que vai minando-o aos poucos acaba por levar a seu bom coração um ódio justificado: 

Foi esta rígida postura ética que o faz desistir dos sonhos para trabalhar pelo bem estar daquelas pessoas necessitadas. Assim, assiste seu melhor amigo ascender financeiramente e seu irmão fazer carreira como militar, chegando até a ser condecorado pelo Presidente americano, enquanto permanece enfurnado na pequena Bedford Falls.

George só não contava com o sumiço de uma grande quantia em dinheiro do banco. Sumiço que teve por trás as tais maquinações e constantes investidas do amargo sr. Potter, o proprietário do banco rival, ávido por explorar as mesmas pessoas que George protege. É este incidente que acabará por levá-lo a uma sequência de aborrecimentos,

No fundo do poço, após bater com o carro na neve, Geroge
perambula em direção à ponte, já com a ideia do suicídio
se materializando em sua mente..
A situação se agrava a ponto de levá-lo à intenção de cometer um ato desesperado contra sua vida. Sente-se cansado e humilhado. Sua luta parece-lhe definitivamente perdida estando prestes a entregar os pontos. O sumiço iria levá-los à falência e prejudicar a maioria da população menos favorecida da cidade que depende do banco. A possibilidade de cair na miséria representa um verdadeiro terror na vida deste homem honrado. Nem tanto pelo dinheiro, mas pelo que a perda representa para quem acreditou nos Bailey depositando suas economias no banco, e também pela ameaça que representa ao bem-estar de sua família, que tanto ama. 

A devastadora noticia do sumiço surgiu na véspera de Natal, momento que deveria ser de comemorações e após uma briga com a esposa. Bêbado e desorientado, George sai a esmo pela cidade. No auge de seu desespero, chega ao parapeito de uma ponte e passa a pensar seriamente em cometer suicídio como única forma para evitar o escândalo e sua família. 

Clarence trabalhando para ganhar suas asas.
Entretanto, ao longo de sua vida, devido ao seu idealismo e autosacrifício, enfrentou muitas dificuldades para manter a pequena comunidade unida. Agora, são tantos os que receberam sua ajuda e que oram fervorosamente por ele, que neste instante surge uma intervenção Divina a seu favor. Clarence - Henry Travers (1874-1965), um anjo de segunda classe e que está á espera de suas asas por mais de dois séculos, é enviado á Terra para tentar convencê-lo a desistir da ideia do suicídio. Clarence, mesmo revelando ser desprovido de muita inteligência, usa uma tática infalível para convencê-lo a desistir da ideia de suicídio. 

Assim, num momento de rara lucidez, o anjo mostra a um George abatido, frustrado e melancólico, através do recurso de flashbacks, como seria a cidade se ele não tivesse nascido. Clarence mostra Bedford Falls, renomeada Pottersville e transformada em um inferno sombrio sob o controle do cruel magnata; o cinema, que nesta noite de Natal exibe o filme Os Sinos de Santa Maria, transformado em bordel; sua amiga Violet - Gloria Grahame (1923-1981), presa pela polícia de costumes; a Main Street repleta de letreiros de neon, transformada em palco de malandragem. Esta visão assustadora torna-se um pesadelo e o traz de volta á realidade.

A visão da vida sem sua existência parece tão assustadora a George, que ele decide retornar imediatamente á realidade com renovada fé e confiança na própria vida. Além de salvo pelo anjo, que finalmente ganha sua asas, e providencialmente e o banco salvo financeiramente pelos amigos, George canta Merry Christimas com todo mundo, transformando a cena em uma das mais tocantes do cinema. 

ideia central de Capra no filme, uma fábula moralista, explorada por ele com competência e sensibilidade, é mostrar, usando o anjo, como seria o mundo se o personagem de James Stewart não tivesse existido. Com esta deia simplória, o talentoso Frank Capra cria um dos filmes mais sublimes da história do cinema, que sempre esteve bem colocado nas listas de melhores filmes. No ranking da AFI (American Film Institute) - acesse link: AFI's 100 YEARS...100 MOVIES, por exemplo, o filme ocupa o décimo primeiro lugar.

Seria possível um cidadão altruísta como George, que passou a vida fazendo o bem para seu semelhante e exemplo de retidão moral ficar desamparado num momento tão crítico de sua vida? Não, definitivamente a resposta é não. George não está desamparado. Alguém lá em cima vela por sua felicidade neste momento aflitivo. E, preocupado com seu destino, envia um anjo para ajudá-lo.

Na verdade, A Felicidade Não Se Compra não foi um sucesso de bilheteria na época de seu lançamento. Somente nos anos 70 conseguiu ser reconhecido como um clássico, devido principalmente às constantes exibições na TV nas épocas de Natal. Foi por volta desta época que a proteção de seus direitos autorais caducou e ele caiu no domínio público, permitindo às estações de TV colocá-lo no ar de graça. É o tipo de filme que sempre leva os espectadores às lágrimas, embora esteja longe de ser piegas. Pelo contrário, conduzido com a habitual competência de Capra, trata-se de uma obra edificante que leva a todos que o assiste à reflexão, bem típico do diretor.

George pisa propositalmente no hobe de Mary.
O filme está recheado de cenas marcantes e inesquecíveis. Das quais podemos destacar a que George trata Mary com crueldade quando a encontra pela primeira vez, após o baile de formatura do irmão. Este, que conseguiu se formar porque George, com a morte do pai, mais uma vez agindo com responsabilidade, abriu mão de sua vaga na universidade em seu benefício para assumir os negócios da família. Harry retorna formado, casado e com uma ótima proposta para trabalhar em pesquisa feita pelo sogro. Ele garante que cumprirá sua parte no acordo, pois sente-se em dívida com o irmão, Mas George no íntimo sabe que também abrirá mão desta dívida, e começa a se revoltar. Abandonar seus interesses em benefício do próximo sempre fez parte da vida deste homem de raro caráter.

Mary, esperta, fazendo ciúmes em George.
O tratamento cruel dado a Mary por George, deve-se menos a um desabafo momentâneo de raiva, afinal ele é humano, mas mais pelo fato de saber que ligando sua vida à dela representa também o abandono dos sonhos e ligar para sempre sua vida à sua pequena cidade natal, que despreza. 

Ainda na cada de Mary ele presencia ela atender um telefonema. Ela, espertamente finge ser um pretendente para despertar ciumes em George, e este, então,  não consegue se conter, 'caindo como um pato' na manjada artimanha feminina, descobre que seu amor por aquela mulher é maior do que seu sonho de partir. Nesta dramática e comovente sequência, James Stewart mostra seu imenso talento como ator ao deixar transparecer a imensa agonia de George tentando resistir a este amor que se desabrocha.
A situação de Nick é outra cena marcante e uma das mais exemplares usadas pelo anjo, para convencimento de George. Clarence mostra que sem sua existência Nick se tornaria proprietário de um bar. Um fato que á primeira vista poderia revelar o contrário, uma pessoa que progrediu em sua existência. Mas que, todavia, pela visão do anjo não seria bem assim. Sem a existência de George, Clarence revela um Nick mudado, frio e por vezes cruel. George consegue assim se emocionar também por seus próprios exemplos, pois não são poucos os cidadãos que se tornam melhores na convivência com ele. Fato que leva Clarence em outro momento de brilho, para fazer jus às suas asas, a pronunciar a grande frase do filme: “Não sabemos até que ponto nossos pequenos atos tocam as pessoas. Quando somos retirados o que surge é um buraco na existência de cada uma delas.”

Sobre o desfecho do filme o que importa saber é que George, com a ajuda de Clarence, finalmente consegue compreender,que a felicidade que tanto buscava estava na verdade bem debaixo do seu nariz, faltava-lhe apenas a consciência da mesma. Volta então para casa feliz, pois a falência ou mesmo a prisão deixou de ser mais importante que o tesouro que a vida lhe graciosamente lhe presenteara e que aguardava ansiosamente pelo seu retorno, para comemorar a noite de Natal.


Ás vezes a felicidade está sob nosso 'nariz' e, cegos, não a enxergamos. 
Por fim, o genial diretor dá seu toque de mestre nos apresentando sua lição, a moral da história: nada do que George plantou foi em vão, pois quem semeia amor sempre colhe amigos. Amigos que estavam prontos a se sacrificar por aquele que. por eles, abrira mão de tudo. Ou seja, quem possui amigos possui a verdadeira chave para a felicidade. Até os corações mais empedernidos se emocionam com seu desfecho. Pela relevância de sua mensagem e pela forma brilhante como é passada, esta obra obrigatória resiste e continuará resistindo bravamente ao tempo simplesmente porquê aborda valores caros para os seres humanos.

Muitos poderão afirmar que o ponto fraco do filme é seu apelo para o sentimentalismo, e que sua concepção de vida está apoiada em uma utopia. Pode até ser. Mas pergunto: afinal, para que serviria o cinema se não fosse para nos fazer sonhar? E este como nenhum outro filme, em mais de cem anos de cinema, não só o faz com maestria bem como nos mostra que a vida vale a pena.

Bons e sudosos tempos aqueles de Frank Capra em Hollywood. Tempos que se valorizavam roteiros brilhantes e diálogos inteligentes, no lugar de tiroteios intermináveis, explosões em demasia e correrias desenfreadas e, na maioria das vezes, sem sentido algum.Sábios tempos
Por Luiz Alvarenga