sábado, 22 de junho de 2013

FALAS BACANAS : Sean Connery


”Meu nome é
Bond,
James Bond.”



O ÁLBUM DE FIGURINHAS - Parte II

O SONHO DE ESCREVER

O cinema, como a história do detetive, torna possível que se experimente sem perigo toda a empolgação, a paixão e o desejo que devem ser reprimidos no ordenamento humanitário da vida. Carl Yung

Sonhos não envelhecem
“Você tem que ter um sonho, assim você pode se levantar de manhã.”  Billy Wilder

No início, a possibilidade de escrever sobre cinema, assunto que tem lá sua dose de complexidade, parecia aquele tipo de sonho inatingível, desafiador e tão excitante quanto assistir a filme de suspense. Todavia, ao contrário de escrever sobre uma ciência exata como a Física, por exemplo, demanda bem menos ou nenhuma formalidade, conhecimento ou rigor acadêmico. Especialmente para o cidadão comum e de seus sentidos laicos, distantes da mente cartesiana de um cientista. 

Para nós, que fazemos parte dessa tribo, a dos leigos, prevalece o que procede do coração: como a emoção. Nossa sabedoria é adquirida através das percepções; pela relação de causa-efeito; pela intuição ou pela fé, dependendo é claro da fonte do aprendizado; enfim, pelo empirismo. Outrossim, para o pesquisador científico predomina o racionalismo, e a matemática, sua linguagem, exclui a possibilidade de hipóteses. Sua crença é a certeza absoluta, o rigor dos métodos de provas baseadas em práticas matemáticas; enfim, no axiomático.  Talvez, ai resida um dos fatores que pesaram na minha decisão de embarcar nesta aventura. Houve outros motivos, igualmente fortes, como verão mais à frente.

A estesia das imagens
"Eu acredito, como sempre acreditei, que está em nossas mãos o controle do mais poderoso instrumento que o mundo já conheceu, para o bem ou para o mal." Thomas Edson, no Congresso de Cineastas em 1924 
"A imaginação é mais importante que o conhecimento." Einstein 

Ao contrário de uma ciência exata, a arte é entendida como uma atividade humana por excelência, e, como tal, não está sujeita ao rigor matemático. Ela é por natureza espontânea, informal, permissiva. Seu ordenamento ou assentimento é com as manifestações de ordem emocional, estética e de comunicação, realizadas a partir da percepção das emoções e idéias. O cinema por conter em si todas as demais formas de expressão artística, e por esta razão conhecido como a Sétima Arte, é completo e complexo. Portanto, mais que qualquer uma das outras manifestações artísticas conhecidas, interage mais fortemente com o emocional. As reações emotivas provocadas por suas imagens, belas e poderosas, por se utilizar de amplos recursos, podem, em uma única cena, levar um espectador das lágrimas ao pavor, ou vice versa em questão de segundos, O cinema vive de explorar nossa imaginação e produzir imagens que nos leve ao deslumbramento.

Este eficiente arsenal compõe-se de planos, closes, som, cortes, diálogos (linguagem escrita) e a música, entre outros, que combinados e na mão de um talentoso diretor pode ser usado também como insuperável instrumento de doutrinamento político-ideológico, como veremos mais à frente. Este poderio levou o cinema, cedo ainda, a alcançar uma posição de destaque diante das demais artes conhecidas. E foi por antever esta possibilidade que, em 1912, o italiano Ricciotto Canuto, cunhou a expressão Sétima Arte. Canuto foi um teórico e crítico de cinema pertencente à escola futurística italiana. Perspicaz, percebeu que o cinema provocaria uma revolução cultural no século XX, uma vez que em si mesmo reunia as outras seis artes já conhecidas: a dança, o teatro, a música, a literatura, a pintura e a escultura.

Como uma indústria voltada principalmente para mexer com a imaginação, o cinema consegue com seu principal produto, o filme, estimular essas instâncias da consciência, valendo-se para isso dos tais extraordinários recursos cinematográficos. Esee poder influenciador (criador) transporta o espectador para alhures, novos mundos e realidades outras, fazendo que perca a noção de tempo. E este é um dos motivos pelos quais, não o único o espectador comum, desavisado, desconhece que sua vida está inexoravelmente à mercê desta influência, no exato momento em que se acomoda na poltrona de uma sala qualquer de cinema. E que, se vista do ponto de vista de lazer boa, por outro pode ser nociva.
O templo do cinema.

Em seu ensaio ‘O Cinema do Diabo’, escrito em 1947, Jean Epstein, afirma que “Mesmo quando amplia convicções que, posteriormente, poderão ser confirmadas pelo raciocínio, o filme continua a ser, por si só, um caminho pouco racional, um caminho sobre o qual a propagação do sentimento ganha em velocidade sobre a formação da idéia. É um caminho romântico, acima de tudo.

Segundo o mesmo Epstein, o cinema tem o poder de imitar a psicanálise, pois ajuda a despistar e vencer determinados recalques, seja individual ou coletivo. O antídoto pode ser entendido, de fato, pela sua ação catártica, sedativa e terapêutica no que concerne ao descontentamento e agitação popular. Esta hygiène mentale possui uma função pública imprescindível ao equilíbrio psíquico, é o que o ele considerava, na primeira metade do século XX, como um dos bens do cinema. 

Outra opinião de respeito parte de Carl Jung, notável psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica, também conhecida como psicologia junguiana. Como outro apaixonado pelo cinema, certa vez, ele observou que "o cinema, como a história do detetive, torna possível que se experimente sem perigo toda a empolgação, a paixão e o desejo que devem ser reprimidos no ordenamento humanitário, da vida". E este é o papel que os cineastas conseguem com o gênero drama psicológico: explorar o mundo interior dos personagens, e o espectador acaba influenciado a realizar uma introspecção com  ele  mesmo.
Por favor, aguardem pela Parte III - Consciência crítica.
Por Luiz Alvarenga.

terça-feira, 18 de junho de 2013

FRASES: - Jean Renoir


A única coisa
que posso trazer
para este
mundo ilógico,
irresponsável e cruel
é o amor.  

domingo, 16 de junho de 2013

O CÈU DE OUTUBRO (October Sky, 1999 - EUA)

A busca pela realização de um sonho deixa como mensagem um belo exemplo de perseverança. 

Como o sonho de quatro adolescentes consegue bate de frente com a mentalidade tacanha de uma cidadezinha do interior da Virgínia, nos EUA da década de 50.
  

Sputinik, o sonho do espaço
"O sonho não acabou." - John Lennon


O Sputinik I
Sem os compromissos impostos por uma mídia profissional, podem ser diferentes as motivações que levam um blogueiro amador a escolher um determinado filme para comentar. No caso de O Céu de Outubro (1999), o que pesou em minha decisão foi o Diego, meu filho mais novo. Me lembro quando ainda no colegial, ele chegou em casa todo eufórico comentando detalhes sobre o filme, que tinha sido exibido na escola pelo seu professor. Como o relato entusiasmado dele despertou meu interesse, na primeira oportunidade dei um pulo à locadora para alugá-lo. Hoje ele faz parte de minha videoteca.

Para um cinéfilo incorrigível não existe nada mais compensador que assistir a filme inspirador como este.E como andam faltando produções assim atualmente na meca do cinema. O filme é baseado em fatos reais, e narra o sonho de Homer Hickam Jr., interpretado por Jake Gyllenhaal (1980), em se tornar um engenheiro espacial.   


O feito de Gagarin mereceu
capa no prestigioso magazine.


Como a maioria dos adolescentes americanos de sua época, Hickan era um sonhador e viu mais carvão ser atiçado á fogueira de seu imaginário no dia 4 de outubro de 1957. Naquele dia, um foguete russo de dois estágios venceu a fronteira invisível dos 8 km/s para colocar o Sputinik, o primeiro satélite artificial feito pelo homem, em órbita da Terra. 

Com esse lançamento, os russos fizeram poeira para os americanos na corrida espacial. Em seguida vieram a cadela Laika e Yuri Gagarin. Era demais para o orgulho americano engolir esta dianteira. O que permitiu à URSS-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas sair na frente?  O filme Céu de Outubro aborda alguns aspectos dessa questão e eventos, tendo como pano de fundo o ambiente escolar e social de uma pequena cidade de West Virginia chamada Coalwood, que vivia da exploração de carvão. O pai do personagem Homer é um mineiro e deseja que ele siga sua profissão.  

O começo
"Aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes; mas não aprendemos a arte simples de vivermos junto como irmãos." Marton Luther King

Tudo começou após  o fim da Segunda Guerra, com a chamada Guerra Fria, o conflito não beligerante entre as duas superpotências, EUA e URSS. As duas possuíam sistemas político-ideológicos distintos e cada um queria ampliar suas áreas de influência sobre o outro.
A corrida armamentista foi intensa durante a Guerra Fria.

Essa lenga-lenga durou mais de quatro décadas, indo de 1945 a 1991. Durante esse período esses dois países travaram uma batalha (sem o registro de uma bala sequer disparada entre eles), pela busca da hegemonia mundial. Tudo foi feito através de terceiros (até as balas trocadas). Para tanto, destinaram dinheiro para algumas nações se reestruturarem, fomentaram conflitos, faturaram fornecendo armas durante os conflitos, interviram na política externa, e por aí vai. Já entre diretamente, para nossa felicidade,  as coisas não passaram de muito bla, blá, bla. Para aumentar sua influência, portanto, era preciso conseguir superioridade, o que acabou proporcionando muitos fatos históricos.

Foram altos os investimentos em tecnologia, principalmente para a indústria bélica. Fato que ficou conhecido como 'corrida armamentista'. O mundo ficou dividido em dois blocos: capitalista ou socialista. Em alguns momentos ficou iminente a possibilidade de sair do blá, blá, blá e haver um confronto entre eles, devido às tensões e ao grande arsenal nuclear que ambos armazenaram.


A conquista do espaço, depois da militar, foi a área que mais consumiu gastos. Ambos investiram pesado em pesquisas, com prioridade para a exploração da Lua. Essa queda de braço ficou conhecida como a 'corrida espacial', tudo em nome da supremacia. Em 1957, a União Soviética saiu na dianteira com dois eventos que entraram para a história. Em outubro lançou o Sputinik, o primeiro satélite artificial; e no mês seguinte enviou a cadela Laika, a bordo do Sputinik 2, o primeiro ser vivo a ser lançado ao espaço.

Os americanos humilhados com o feito russo entenderam que precisavam correr atrás do prejuízo. Uma das primeiras ações foi a centralização dos esforços espaciais numa única agência. Com essa decisão o governo americano demonstrou sua vontade política de fazer essa superação científica. Em 29 de junho de 1958 era criada a NASA - 
National Aeronautics and Space Administration, que passaria a ser  responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial. Sua missão oficial é 'fomentar o futuro na pesquisa, descoberta e exploração espacial. Não demorou muito lançarem o satélite Explorer I, que transportava vários aparelhos de pesquisa. Porém, os russos não estavam dormindo. Eles conseguem um feito ainda maior ao realizarem, em abril de 1961, o primeiro voo tripulado por um ser humano. A bordo da nave Vostok, o astronauta Yuri Gagarin teve o privilégio de orbitar a Terra e entrar para a história, e pronunciar a frase que ficaria célebre: “A Terra é azul”.


O pequeno passo dado pelo homem,
segundo Armstrong.
Os EUA, vendo que estavam comendo poeira, passaram a investir mais ainda no projeto espacial. Conseguiram no ano seguinte colocar John Glenn em órbita da Terra. Assim a disputa ficou mais ou menos equilibrada, até que os americanos selaram em 1969, de forma definitiva, sua dianteira na corrida espacial. Em 20 de julho daquele ano conseguiram tripular a nave Apolo XI com os astronautas Edwin Aldrin Jr., Neil Armstrong e Michael Collins. Essa missão, transmitia ao vivo pela televisão, também teve sua frase que entrou para história pronunciada por Neil Armstrong: “Este é um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”.

No mundo da Lua
"O sonho não acabou." John Lennon


Homer com a srta. Riley.
O sonho de se tornar um engenheiro espacial, no final da década de 50, era ousado demais para uma comunidade como a Coalwood, que por sua vez não era diferente do restante do país. Até porque nenhum pai queria para seu filho uma profissão que ainda não era reconhecida. Baseado no romance autobiográfico Rocket Boys, de Homer Hickam Jr., o filme conta a história de quatro garotos da pequena cidadezinha que pretendiam   mudar  suas  vidinhas medíocres com algo que enxergavam poder mudar seus destinos. Uma lição importante que se pode tirar do filme é a que devemos lutar por nossos sonhos, não importa quais sejam as barreiras. E elas não são poucas na pequena cidade sem recursos que viviam: raridade de livros técnicos, dinheiro escasso, falta de horizonte. Porém, atrapalha muito quando falta apoio e compreensão de todos os lados, principalmente da família. Quando passa a se interessar pelos foguetes e como construí-los, falta o apoio do pai que não aprova o interesse e espera que Homer, assim como 95% da população da cidade, vá trabalhar com ele na mina. 

A sociedade americana, com a mentalidade que vigorava na época, reagia mal à 'revolução que passava pela cabeça de jovens como os de Coalwood. Eram tempos de mudança. Os anos 60 prometiam. O americano comum ainda não havia deglutido a nova realidade. Uma frase do filme é emblemática quanto a isso: "Deixe-os ficar com o espaço cósmico. Nós temos o rock 'n roll", pronunciada pelo adolescente Roy Lee, colega de Homer,  ao ouvir no rádio a notícia sobre o Sputinik. Aqueles jovens não tinham ideia do representaria em suas vidas aquele 4 de outubro. 

Não podemos esquecer que dessa geração de estudantes sairiam os primeiros engenheiros aeroespaciais, que iriam compor o quadro técnico da recém fundada NASA, e que colocaria o homem na Lua no final dos anos 60. 

O filme inicia com outra declaração emblemática esta sobre o temor dos americanos com a Guerra Fria, dada pelo locutor de uma estação de rádio: "Para os que acabam de sintonizar nesta edição especial, Washington confirmou que ontem dia 4 de outubro de 1957, a União Soviética lançou com êxito o primeiro satélite feito pelo homem, em órbita da Terra. ...Ninguém em nossa capital nacional, negou que o satélite abre nova e desagradável na Guerra Fria.  E, de fato, uma onda de ansiedade nacional parece já estar inundando a   nação.":


Homer com o pai autoritário.
O roteiro adaptado por Lewis Colick, começa contando como, aos poucos, ia tomando forma a 'corrida espacial' entre as duas superpotências, como já descrito acima. O lançamento do Sputink, fato inédito, serviu como estopim para um novo rumo da humanidade. A história mudaria radicalmente. Entre os fatos pipocavam as paranóias, como a de os russos estariam vigiando bases americanas com o tal Sputinik.

O adolescente Homer fazia parte desse grupo restrito de pessoas visionárias, que enxergam além de seu tempo, e era apaixonado pelo tema 'foguetes'. Sua adolescência não foi fácil,  pois competia pela atenção do pai com seu irmão, Jim, um  talentoso jogador  de  futebol.


Sentia-se sem chances nos estudos, e no esporte não tinha porte físico, para conseguir uma bolsa numa  boa Universidade. Vivia 
atemorizado com a ideia de ter que trabalhar numa mina de carvão, única atividade econômica da pequena cidade onde vive. Seu pai, John Hickman, dedicado, trabalhador e chefe dos mineradores. é porém autoritário, é interpretado pelo sempre excelente Chris Cooper (1951-). Apesar de responsável em boa parte do filme pela interpretar do pai de personalidade forte, sabe escapar com habilidade da tentação de exagerar na caracterização do tirano., e que é um dos líderes na mina de carvão.


Homer planejando seus foguetes.
Certo dia, Homer vê algo brilhando nos céus que todos acreditam ser o Sputnik russo. Foi o suficiente para ficar impressionado, e à mesa de jantar, para surpresa de todos, revelar que estava interessado em construir um foguete. A princípio, ninguém deu bola, por acreditar se tratar de uma sandice momentânea e passageira. Assim sofreu apenas repreensão da mãe, Elsie Hickan, Natalie Canerday (1962-), para evitar explodir as coisas.

Reunido com os amigos Roy Lee Cook, William Lee Scott (1973-) e Sherman O`Dell, Chad Lindeberg (1976-), Homer destrói a cerca de sua casa com seu primeiro foguete, precariamente construído no porão de casa. Determinado, entretanto, ele decide não abandonar a ideia.

Assim, ao se decidir por aperfeiçoar as técnicas que utilizava, aproxima-se do garoto rejeitado pela turma, Quentin Wilson, Chris Owen (1980). Chris faz o papel do típico estudante desajeitado que não consegue se enturmar. Criativo, Quentin fornece boas ideias a Homer e também junta-se ao grupo para colocar em prática suas experiências com os foguetes. Além de contar com o importante incentivo da professora de matemática Frieda Riley, Laura Dern (1967-), Homer consegue também a preciosa ajuda de dois aliados: do soldador Ike Bykovsky vivido pelo veterano russo Elya Baskin (1950-) e do metalúrgico Jake Mosby .

Seu horizonte se abre em 4 de outubro de 1957, quando os russos põem em órbita o Sputnik, o primeiro satélite artificial da história. Encantado, Homer decide tornar-se um construtor de foguetes. Mas encontra a oposição do pai, supervisor da mina e cabeça-dura de primeira.
Aliás, as sequências nas quais os quatro garotos constroem e fazem os lançamento numa base providenciada com materiais `emprestados` são algumas das melhores do filme. Os garotos chegam ao cúmulo de tirarem os trilhos de uma ferrovia em desuso, e levam  um  grande  susto quando descobrem que pode não estar desativada.


Os quatro se protegendo do laçamento de um dos fogutees.
Um grande momento do filme ocorre quando eles recebem da professora de matemática a notícia  que poderiam participar da Feira Nacional de Ciências. Após uma sequência de tentativas desastrosas no lançamento dos foguetes caseiros, ao som da clássica canção Ain't that a Shame do Fas Domino, a notícia que se saíssem vencedores da Feira, poderiam ter a chance de conquistar bolsas de estudos, e assim escaparem de se transformarem em mineiros agradou a todos. As Feiras de Ciência foi uma forma do sistema educacional americano reagir (morosamente) nos anos 50, ao processo político e tecnológico para recuperar o tempo perdido. Esta nova modalidade de conceder bolsas de estudo, alterava a forma tradicional que era a de conceder aos que se destacavam nos esportes. A decisão demonstrava que o país precisava reagir, que precisava de cérebros, não de músculos. Essas bolsas, como mostrado no filme foram um incentivo para criar uma geração de cientistas.para enfrentar o desafio espacial..

As coisas parecem caminhar  bem  para  os  quatro,  mesmo  Homer continuar sob a vigilância atenta do pai, que não desiste de transformá-lo em um colega nas minas, para dar continuidade aos seus negócios, enquanto Jim estuda custeado pela bolsa que ganhou como jogador defendendo as cores da Universidade de Indianapolis. Um dia, porém, um   foguete que havia extraviado foi encontrado nas arredores de um incêndio que devastou uma área florestal. Presos, eles decidem que o melhor é desistir de seus sonhos.

Infelizmente, Joe Johnston (1950-), cujo currículo não tem grandes destaques, poderia ter tirado mais proveito dessa biografia que possui uma história com potencial para muito mais. Seu filme perde tempo precioso com reviravoltas em demasia e tramas secundárias desinteressantes e mal desenvolvidas. Na mão de um roteirista mais competente o resultado final, se não foi comprometedor, poderia entretanto ter sido superior.  

O segredo de uma boa transposição para a tela, não está em inserir o máximo de conteúdo possível. Como por exemplo: no relacionamento afetivo de Homer com sua namorada, que parece claramente artificial e sem contribuir positivamente para o motivo da história; e no destaque dado ao papel do irmão mais velho, que também não contribui em nada para o propósito da trama. 



Olhando o sucesso de um lançamento.
Entre os problemas encontrados com a direção de Johnston, estão os abusos com os inevitáveis clichês, a maioria infantis. Cito dois: o conflito de gerações e a disputa com o irmão mais velho, mimado e preferido do pai; o outro, um dos mais bobos, é aquele em que o soldador é transferido para a mina, logo após ajudar Homer. Quando ele pendura sua ficha de identificação, dá um beijo nela dizendo “isso é para dar boa sorte”. A partir desse ato fica fácil para o espectador antever seu futuro na próxima cena. Outro problema, são as reviravoltas, algumas monótonas. Aqui cito a que acontece depois de um acidente na mina que vitima o pai de Homer, obrigando-o a abandonar a escola para ocupar o lugar do pai para ajudar nas despesas da família. 

Contudo, o filme tem seus momentos mágicos e um deles é quando Homer se encaminha para mina, como com a expressão de estar indo para o cadafalso, olha para o céu, e vê uma estrela cadente. Naquele momento, acredita que seus sonhos estão acabados. Entretanto, seu anjo da guarda, a professora Riley, que sempre o estimulou está sofrendo de uma grave doença degenerativa, o estimula a retomar as pesquisas com os amigos, e descobrem que o foguete achado na floresta e responsável pelo incêndio, não era deles. O filme mostra através do relato autobiográfico de Homer, sua luta para realizar seu sonho de se tornar um engenheiro espacial e suas dificuldades na superação de barreiras como a cultural, tecnológica e política. Uma mensagem com um belo exemplo de perseverança. O Céu de Outubro está tão longe de ser uma 'obra prima', quanto está de ser um 'encalha pipoca', encontra-se equidistante entre esse dois pontos. É assistir para conferir.
Por Luiz Alvarenga

sábado, 15 de junho de 2013

FRASES: - Marlene Dietrich



"Muitas mulheres
 não sossegam
  enquanto não mudam
 o seu homem. 
E quando conseguem, 
ele perde a graça.""

SE MEU APARTAMENTO FALASSE (The Apartment, 1960 - EUA)

Billy Wilder, um virtuosi da imagem constrói mais uma obra prima. Uma comédia  recheada de amargura sobre a solidão humana, com perfeito equilíbrio entre o trágico e o cômico. 

Como na maioria de suas obras, Wilder consegue abordar com sensibilidade a solidão humana e assuntos que eram tabus nos anos 60, como o adultério e a relação da mulher no trabalho, nos brindando com uma comédia brilhante e melancólica.  



A Era de Ouro
"Toda época tem a sua moral dominante, que não deriva nem da religião nem da filosofia, porque a moral é a soma dos preconceitos da coletividade." Anatole France


Provavelmente, o leitor estará se perguntando que motivo pode levar um um blogueiro a  comentar filmes de 50 ou mais anos atrás. A resposta é bem simples: porque muitos deles, de tão bons, conseguiram resistir ao tempo mantendo o mesmo frescor e fascínio  da época de seu lançamento, os mais férteis da história do cinema. E, finalmente, o desejo sincero de levar à geração atual um pouco de luz sobre alguns dos grandes e insuperáveis clássicos já produzidos. Filmes que resistem ao tempo unicamente pelos méritos que possuem.


Poster do filme.
Hollywood viveu um período muito produtivo, tanto quantitativa quanto qualitativamente entre as décadas de 30 a 40, conhecido como 'Época de Ouro'. As técnicas de produzir filmes desse período, de renomados diretores, sofreram grandes avanços e influenciaram Hollywood por vários anos. Essa influência chegou muito forte até a década de 60. As gerações de cineastas que surgiram em seguida à essa época se utilizaram das técnicas desenvolvidas naquele período, e mesmo nos dias atuais são largamente utilizadas. Podemos destacar desse período as seguintes produções que viraram clássicos: Psicose (1960), Lawrence da Arábia (1962), Três Homens em Conflito (1966), 2001, Uma Odisseia no Espaço (1968) e Meu Ódio Será Tua Herança (1969), sabendo que ficaram  muitos outros tão bons quantos, sem serem citados. 

O cinema e a solidão humana
"Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão." Victor Hugo
Para o filósofo alemão Martin Heidegger, a solidão é o estado inato do Homem, cada ser está por si só no mundo. Assim, cada indivíduo nasce sozinho, morre na mesma condição e vive suas experiências pessoais também desta forma, por mais que esteja sempre cercado de outras pessoas, pois ninguém pode vivenciar seu aprendizado, cabe a cada um enfrentar sua própria travessia. 

Para a psicologia, a  solidão é um sentimento no qual um indivíduo sente uma profunda sensação de vazio e isolamento. É uma condição interior do Homem, uma sensação de carência absoluta, de um objetivo ou um desejo, que sempre se desloca, gerando na alma esta percepção da falta.  

Sociologicamente pode-se afirmar que a solidão é fruto da marginalização social, portanto ela pode ser coletiva (quando um determinado evento afeta um grupo ou uma nação, por exemplo), ou individual. Porém, a sensação é a da exclusão da sociedade convencional, por inadaptação ou pela recusa em seguir determinados parâmetros fixados socialmente. De acordo com psicologia, quem não consegue conviver com seus semelhantes é, de certa forma, expulso do meio, e assim se sente sozinho.


O filme de Will Smith Eu Sou a Lenda
 retrata a solidão humana em uma de
suas formas  mais cruéis. 
O cinema sempre se interessou pela solidão humana, e se inspirou na literatura existente sobre o tema, para tentar retratar a incontestável dependência humana. Muitos livros serviram de base para roteiros de filmes por conta de sua abordagem poética em relação a solidão, como o famoso clássico Robinson Crusoé,.de Daniel Defoe, publicado em 1719,  O livro, uma autobiografia fictícia do personagem-título, narra um náufrago que passou 28 anos, sozinho, em uma remota ilha tropical. 

Outro exemplo é o filme Náufrago (2000),  dirigido por Robert Zemeckis (1951-), onde o personagem vivido por Tom Hanks (1956-), o inspetor Chuck Noland sofre um acidente de avião e fica preso numa ilha completamente deserta por quatro anos. Para não ficar 'lelé', Chuck cria um amigo imaginário chamado Wilson, personificado em uma bola de futebol (bela propaganda), sua única companhia. Inteligente, sabe que precisa lutar para sobreviver, física e emocionalmente, para que não esteja louco quando a oportunidade de retornar à civilização surgir. Assim, age como se a bola fosse o interlocutor de suas conversas e receptor de seu afeto.

A nação americana pós 'depressão', provocada pelo capitalismo, foi afetada por este sentimento. Nenhuma outra crise econômica na história dos Estados Unidos produziu efeitos tão devastadores sobre a sociedade como aquela decorrente da quebra da bolsa de valores de Nova York, ocorrida em outubro de 1929. De um dia para outro pareceu aos americanos que haviam perdido tudo. Suas economias de anos, seus depósitos bancários e o valor da suas ações simplesmente evaporaram. Os pilares supremos que a América fora constituída ficaram profundamente ameaçados por uma crise seguida de depressão econômica que parecia não ter mais fim. 

Fila da sopa e rosquinhas grátis para os
desempregados pela crise de 1929
Os EUA foi exemplo do sucesso do capitalismo laissez-faire, um dos poucos países a se desenvolver sem a interferência estatal ostensiva. Portanto, a crise que a partir de 1929 devastou a economia, teve conseqüências ímpar para a maneira de viver dos americanos e para a concepção de autonomia e independência que eles até então tinham. 

A marginalização social gerada pela crise descambou na solidão coletiva.. Muitos sentiram-se excluídos da sociedade naqueles anos.  Os executivos de Hollywood souberam enxergar a indústria do cinema como uma parcela importante na recuperação econômica (royalties), bem como servir como instrumento para a recuperação do moral da população. Por isso, muitos dos filmes desse período deram atenção à aspectos humanistas, enaltecendo os valores nobres.

Frank Capra na sala de Edição
Destacam-se nesse período os filmes do diretor Frank Capra (1897-1991), um dos mais comprometidos com o projeto de recuperação do moral americana. Uma de suas maiores contribuições, sem dúvida, foi a obra prima A Felicidade Não Se Compra, de 1946, e que será comentada futuramente no blog. É bem verdade que os filmes produzidos nesse período perdem em tecnologia para os atuais, mas somente nesse quesito, é bom que se diga. Diferem da mediocridade da maioria, por terem privilegiado o lado artístico e não somente o comercial. Por isto sua perenidade.

O virtuosi e sua época
"Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam. Jack Kerouac

Bem no início dos anos 60, ouvimos de um russo a exclamação 'A Terra é azul!', pronunciada do espaço pelo astronauta Yuri Gagarin, que entraria para a história como o primeiro homem a admirá-la do espaço. Era 1961, e a década já começava com mais combustível na fogueira do imaginário de uma juventude que seria conhecida por beatnick. Uma juventude que queria se livrar do moralismo rígido da sociedade dos anos 50, expressão remanescente do Sonho Americano que não conseguia mais empolgar sua juventude. Mais tarde iria se tonar uma das décadas mais vibrantes e invejadas da história. 


Edição brasileiro do livro de Kerouac.
Os 60 foram, acima de tudo, vivenciados por essa explosão de juventude em todos os aspectos, e influenciados por movimentos culturais importantes como o rock de garagem à margem dos grandes astros do rock, que resultaria na surf music e nos movimentos de cinema que ficaram conhecidos por 'cinema de vanguarda'. Outra importante foi a literatura de Jack Kerouac com seu livro 'On the Road' de 1957. Kerouac fazia parte da chamada geração beat que começava a se opor à sociedade de consumo vigente. Os ventos das transformações sopravam por todos os lados e atingiram também a moda, que sofreu uma mudança radical. Com o fim da moda única, passou a ter várias propostas e a forma de se vestir se tornava cada vez mais ligada ao comportamento. Foi também uma época maniqueísta na qual, influenciado pela Guerra Fria, ou você era comunista ou capitalista, bom ou mau, moça de família ou de má reputação, rapaz bem-comportado ou rebelde, heterossexual ou degenerado e etc..

Assim, pode se dizer que a década de 60 representou, no início, a realização de projetos culturais e ideológicos alternativos lançados na década anterior. O movimento, que nos 50 vivia recluso em bares nos EUA, foi para as ruas nos anos 60 influenciando novas mudanças no comportamento da juventude como a contracultura e o pacifismo do final da década. 


O álbum Sgt. Pepper's Lonnely Hearts 
Club Band", dos Beatles, de 1967, um
marco no no meio das mudanças.
mundo todo encontrava-se realmente em um processo de profundas mudanças, tanto cultural quanto nos variados grupos sociais. Alguns historiadores afirmam que os anos 60 estão claramente divididos em duas etapas. A primeira, que vai até sua metade, 1965, onde prevalecia uma certa inocência e até de lirismo nas manifestações sócio-culturais. No âmbito da política estava claro o idealismo e o entusiasmo no  espírito de luta do povo, influência remanescente do pós guerra. A segunda metade, de 66 até seu final, com o clímax atingido em 68 com a deflagração da revolta estudantil na França (já comentada no blog em 'O Álbum de Figurinhas - Parte I'). A partir de 1969 já se percebe o estado de espírito que definiria a década seguinte. O tom começou a subir tornando-se mais duro, surgiram as primeiras experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os protestos juvenis contra a ameaça de endurecimento dos governos. Esta mudança é refletida nas manifestações artísticas. Como exemplo podemos citar os Beatles, que trocou as baladas inocentes como Yesterday pela excentricidade psicodélica, incluindo orquestras, letras surreais e guitarras distorcidas como A Day in the Life, que representa bem o espírito da mudança.

Portanto, os jovens no início da década de 60 sonhavam com um mundo novo, bem diferente daquele que tinham herdado. E demonstraram isso através da rebeldia. No começo ainda ingênua, inspirada pelo rock dos bem-comportados Beatles em início de carreira. Mas que com o correr do tempo perceberam que as mudanças não eram setão iminentes ou simples assim. 

Os ventos das mudanças atingiram também a meca do cinema. O filme BlowUp - Depois Daquele Beijo (1966), de Michelangelo Antonioni (1912-2007), fez um enorme sucesso entre a juventude americana. E, conseqüentemente, obrigou os estúdios americanos a repensar suas estratégias e contratar uma leva de jovens cineastas que trouxessem novas idéias para produzir novos filmes. 

Como resultado, surgiram produções que dificilmente voltaremos a presenciar. Naqueles anos ainda se experimentaram a influência do período mais fértil do cinema. O país já se encontrava totalmente recuperado da 'depressão' causada pela crise do capitalismo e produzia bons filmes. Havia em Hollywood muitos talentos, novos e já consagrados na arte de dirigir; um dos maiores era Billy Wilder (1906-2002).

 O virtuosi, o ingênuo e a mocinha diaraque
“Se um ator entra pela porta você não tem nada. Mas se ele entra pela janela você tem uma situação.”  Billy Wilder


Wilder rodeado pelos Oscar
de The Apartment.
Se Meu Apartamento Falasse recebeu dez indicações ao Oscar em 1961 e ganhou seis, entre eles os dois mais importantes: Melhor Filme e  Direção. Um deles foi para a dupla Alexandre Trauner (1906-1963) e Edward G. Boyle (1893-1973), pela Direção de Arte em preto-e-branco. Tara-se de comédia magistral, que esteve censurada por aqui na época de seu lançamento. Os costumes, contudo, se encarregaram de corrigir esse excesso de zelo de nossos vitorianos sensores da época. Ao revê-lo hoje percebe-se que continua com o mesmo frescor e vigor, e que comparado às cenas que vemos diariamente nas novelas globais, ele é de uma candura digna de ser exibido em qualquer convento de freiras sem que nenhuma delas fique ruborizada.

Seu enredo é relativamente simples, e tem como cenário principal o apartamento de um funcionário de uma grande seguradora nos anos 50, onde as coisas acontecem. Seu nome é Calvin Clifford Baxter, interpretado pelo brilhante Jack Lemonn (1925-2011). 


Baxter representando o conflito essencial entre
o sujeito ao mesmo tampo ingênuo e oportunista.
    
Mais conhecido por Baxter, ele é jovem e vive uma cruel rotina que não o impede, contudo, de cultivar suas aspirações de um dia subir na empresa. É solteiro, solitário, ambicioso e gosta de fazer cálculos. Tem a sorte ou o infortúnio, de morar sozinho num apartamento alugado, sem nenhum luxo, porém muito bem localizado no centro de Manhattan, nas imediações do Central Park. E assim ele vai levando sua vidinha medíocre sem maiores contratempos e sem grandes emoções.

Apoiado por sua ótima equipe de roteiristas Billy Wilder consegue criar com esses elementos simples um texto brilhante, recheado de diálogos inteligentes, trocadilhos e jogo de palavras, responsável em grande parte pelo charme do filme. Para contar essa história Wilder recorre a uma técnica muito utilizada por alguns cineastas, principalmente por Alfred Hitchcock (1899-1980), o insuperável mestre do suspense, que se valia dela para aumentar o suspense em seus filmes. A técnica consiste em permitir ao espectador ficar numa posição privilegiada em relação a um dos personagens, recebendo uma generosa quantidade de informação com o desenrolar da história. Assim, primeiro, permite que o público saiba que Baxter empresta seu apartamento aos seus superiores, todos adúlteros, para seus encontros amorosos com suas subordinadas; segundo, que Baxter tem uma inclinação pela ascensorista Fran Kubellik, interpretada por Shirley MacLaine  (1934-), uma espirituosa e bem comportada moça. 


O trio fantástico que sustenta a trama: Jack Lemmon,
Shirley MacLaine e Fred MacMurray.
.Este filme superlativo começa com uma tomada aérea da cidade de Nova Nova York. Depois um plano geral mostra um edifício, para em seguida exibir um andar com incontáveis mesas, enquanto ouvimos em off a voz de Jack Lemmon dizer o seguinte: "No dia 1º de novembro de 1959, a população de Nova York era de 8.042.783 pessoas. Se você pusesse todas essas pessoas deitadas, enfileiradas, imaginando uma altura média de 1,70 metro, elas chegaram da Times Square até os arredores de Karachi, no Paquistão. Sei desses fatos porque trabalho num empresa de seguros – a Consolidated Life de Nova York. Somos uma das cinco maiores companhias do país no ramo. Nossa sede central tem 31.259 empregados, o que é mais do que toda a população de, hum..., Natchez, Mississipi. Eu trabalho no 19º andar. Setor de Apólices Comuns, Divisão de Cálculo de Prêmio, Seção W, mesa número 861.”
C.C.Baxter na seguradora onde trabalha, cujo contraste com uma 
empresa moderna é evidente.
Billy Wilder penetra no dia a dia dessa que é uma típica companhia americana, para revelar sua rotina com uma trama recheada de corporativismo, favorecimentos, traições, mentiras e acobertamentos. Vale prestar atenção no magnífico trabalho da Direção de Arte (premiada com o Oscar) na criação em estúdio do escritório da seguradora. Nela podemos observar os contrastes existentes entre um antigo de trabalho daqueles tempos com os modernos que conhecemos hoje em dia, onde a automação reduziu enormemente o número de funcionários.

A ambição de C.C. Baxter leva-o, certa vez, a cair na besteira de emprestar seu apartamento a um dos chefes para uma escapadela amorosa com uma de suas subordinadas. Nos anos 50, os hábitos eram muito diferentes, e a complexidade das aventuras extraconjugais exigiam uma  grande dose de criatividade e engenharia, dos incautos infiéis. O personagem de Lemmon representa um conflito essencial muito comum no mundo cinematográfico, mostrado pelo diretor, por ser ao mesmo tempo ingênuo e oportunista, mas que no final termina por se redimir tornando-se um bom sujeito. O problema é que o executivo acaba contando para os demais colegas chefes, e agora já são vários os que fazem visitas regulares ao seu apartamento com o mesmo fim. No início ele enxergou sua atitude como uma boa estratégia para conseguir uma ascensão mais rápida na empresa. Mas vai se arrepender quando a situação começa a mudar no momento que passa a se interessar por Fran, O personagem de Lemmon, mostrado pelo diretor, representa um conflito essencial muito comum no mundo cinematográfico por ser ao mesmo tempo ingênuo e oportunista, mas que no final termina por se revelar um bom sujeito.


A senhorita Kubellik e C.C. Baxter.
Com seu estilo crítico da sociedade de sua época, Billy Wilder é um dos mais mordazes críticos do estilo americano de viver. Contando também rara sensibilidade para captar o que se passa nos escaninhos da alma humana, Wilder consegue criar uma preciosa relíquia com este trabalho. O filme borda assuntos que ainda eram tabu para o início dos anos 60, como suicídio, adultério, sexo livre e a relação da mulher com seus superiores. Hoje as situações mostradas no filme seriam pouco prováveis de ocorrer, pois existem leis que inibem e protegem as mulheres de sofrer este tipo de constrangimento. Com competência e sensibilidade para tratar esses assuntos, Wilder consegue sem deixar descambar para o vulgar ou cair nas armadilhas das comédias românticas, explorar uma questão importante como a diferença entre o que cada um é na realidade e o que se aparenta ser, e, consequentemente, os conflitos gerados por estes dois opostos. 



Wilder dando orientações a Fran.
E essa questão 'entre o que se aparenta ser e o que se é na realidade' trata-se exatamente do caso dos personagens centrais da trama. C.C. Baxter passa boa parte de seu tempo representando: para os vizinhos, principalmente o médico, parece ser um incorrigível Don Juan; para os executivos, o funcionário gente fina e ambicioso; para a srta. Kubellik, sua preferida, um gentleman. Já a srta. Kubellik é uma colega de trabalho bem-humorada, aparentemente recatada que não sai com qualquer um. Mas o que ele descobre mais á frente, é uma moça perdidamente apaixonada pelo chefe, casado, e ela o sabe, o que não a diferencia das outras que frequentam o apartamento. No caso dela, o choque entre seus dois mundos, o real e o que aparenta ser é tão doloroso que vai levá-la a uma tentativa de suicídio.

Com sua habitual visão cáustica, Wilder vai ao logo do filme questionando os vícios de uma sociedade pautada pela corrupção, ambição, dinheiro e busca desenfreada por posição custe o que custar. Passados quase sessenta anos de seu lançamento, percebemos que nada mudou, o homem segue com as mesmos vícios de comportamento denunciados no filme.

Outra questão essencial abordada por Wilder é a relacionada à solidão do homem e o que se passa no íntimo de sua alma, mostrando seus conflitos e as inevitáveis armadilhas que a vida costuma  pregar e como reagimos a elas. No final a mensagem de Wilder mostra que sempre será possível se redimir, por mais enodoados que se possa estar. Embora o filme apresente situações que fora do seu contexto podem ser ofensivas, sua natureza essencialmente positiva, com o personagem redimindo-se no final, leva-o a ser encarado como uma celebração aos bons valores morais. 


C.C. Baxter envolvido com seus cálculos.
Baxter vai aos poucos descobrindo que sua opção para progredir profissionalmente tem lá seus espinhos. Que não seria tão fácil como havia imaginado. Os primeiros percalços começam a aparecer com o fim de sua privacidade, e pioram muito quando se apaixona pela bela ascensorista. srta. Kubellik, que se encontra em seu apartamento com o big boss da companhia Jeff D. Sheldrake, interpretado por Fred MacMurray (1908-1991). Com a técnica usada por Wilder, durante a primeira metade do filme todo mundo já sabia que a mulher que Baxter ama está frequentando sua cama para ficar com Sheldrake.

Um dos momentos deliciosos do filme é quando Baxter tenta equilibrar a complicada situação que se meteu, como na dos famosos pratos chineses. Ou seja, a rotina de entra-e-sai de seu apartamento provocada pelas constantes solicitações dos chefes da seguradora. Como comédia de costumes, Com Se Me Apartamento Falasse Wilder faz uma dura crítica à hipocrisia da sociedade americana que sempre tentou jogar sob o tapete toda a sujeira de seus bastidores. Mas Wilder consegue fazê-lo com sua classe e refinamento de sempre. Entretanto, hoje os tempos são outros, o mundo acordou e esta propaganda já não funciona mais com a eficiência de antes. Os americanos mesmos se auto exorcizam em relação a muitos temas como fizeram em relação às guerras que se viram envolvidos, em filmes consagrados como Platoon (1966), Amargo Regresso (1978) e Appocalypse Now (1979),  e mais recentemente com Guerra ao Terror (2008), para ficar só nestes. Há!, não podemos esquecer de Nascido em Quatro de Julho (1989).

Fran recebndo cuidados após a tentativa de suicídio.

Srta. Kubllik, alma inocente? - nem tanto; afinal sabia que seu amor era casado. Inocente, acredita que Jeff a ama verdadeiramente e que está prestes a se separar para, enfim, levá-la para o altar. Porém, diferentemente do mundo de sonhos, a vida real tem muito lobo mau. Chega o Natal, e, na festa da empresa, a cândida Fran descobre que a fila de conquistas do executivo é de dar inveja a Don Juan. Após uma discussão com ele no apartamento de Baxter ela tenta suicídio ingerindo vários comprimidos. Ao chegar a seu apartamento Baxter encontra a jovem pela qual está apaixonado, em estado crítico e apela pela ajuda de seu vizinho, o médico Dreyfuss, vivido por Jack Kruschen (1922-2002). Sua relação com o vizinho é outro dos momentos deliciosos do filme, pois esse acredita que o entra-e-sai do apartamento de Baxter se deve à sua vida desregrada de conquistador. Com muita dedicação os dois conseguem enfim salvar a vida da jovem.


O ingênuo e a mocinha jogando cartas no final.
Alternando momentos de alta dramaticidade, como os vividos com a tentativa de suicídio e ótimas situações de refinado humor, Se Meu Apartamento Falasse deixa sua marcar como um dos maiores filmes do gênero. Comédia bem ao estilo de Wilder, com um roteiro original de alto nível, diálogos brilhantes, direção enxuta e segura, situações cômicas sem apelar para o pastelão e, de quebra, três grandes atores nos papeis central. A nota triste fica por conta da não premiação de Jack Lemmon, que interpreta um personagem de personalidade ambígua, ambicioso. conivente, explorado, apaixonado; mais um grande equívoco da velha Senhora.   

Reparem que até o final de Wilder é original: nada do clichê de filmes românticos que terminam com um grande aquele costumeiro beijo cinematográfico dos amantes. O final feliz que sela a cumplicidade do casal é feito com uma simplória partida de baralho. 
Por Luiz Alvarenga