domingo, 16 de junho de 2013

O CÈU DE OUTUBRO (October Sky, 1999 - EUA)

A busca pela realização de um sonho deixa como mensagem um belo exemplo de perseverança. 

Como o sonho de quatro adolescentes consegue bate de frente com a mentalidade tacanha de uma cidadezinha do interior da Virgínia, nos EUA da década de 50.
  

Sputinik, o sonho do espaço
"O sonho não acabou." - John Lennon


O Sputinik I
Sem os compromissos impostos por uma mídia profissional, podem ser diferentes as motivações que levam um blogueiro amador a escolher um determinado filme para comentar. No caso de O Céu de Outubro (1999), o que pesou em minha decisão foi o Diego, meu filho mais novo. Me lembro quando ainda no colegial, ele chegou em casa todo eufórico comentando detalhes sobre o filme, que tinha sido exibido na escola pelo seu professor. Como o relato entusiasmado dele despertou meu interesse, na primeira oportunidade dei um pulo à locadora para alugá-lo. Hoje ele faz parte de minha videoteca.

Para um cinéfilo incorrigível não existe nada mais compensador que assistir a filme inspirador como este.E como andam faltando produções assim atualmente na meca do cinema. O filme é baseado em fatos reais, e narra o sonho de Homer Hickam Jr., interpretado por Jake Gyllenhaal (1980), em se tornar um engenheiro espacial.   


O feito de Gagarin mereceu
capa no prestigioso magazine.


Como a maioria dos adolescentes americanos de sua época, Hickan era um sonhador e viu mais carvão ser atiçado á fogueira de seu imaginário no dia 4 de outubro de 1957. Naquele dia, um foguete russo de dois estágios venceu a fronteira invisível dos 8 km/s para colocar o Sputinik, o primeiro satélite artificial feito pelo homem, em órbita da Terra. 

Com esse lançamento, os russos fizeram poeira para os americanos na corrida espacial. Em seguida vieram a cadela Laika e Yuri Gagarin. Era demais para o orgulho americano engolir esta dianteira. O que permitiu à URSS-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas sair na frente?  O filme Céu de Outubro aborda alguns aspectos dessa questão e eventos, tendo como pano de fundo o ambiente escolar e social de uma pequena cidade de West Virginia chamada Coalwood, que vivia da exploração de carvão. O pai do personagem Homer é um mineiro e deseja que ele siga sua profissão.  

O começo
"Aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes; mas não aprendemos a arte simples de vivermos junto como irmãos." Marton Luther King

Tudo começou após  o fim da Segunda Guerra, com a chamada Guerra Fria, o conflito não beligerante entre as duas superpotências, EUA e URSS. As duas possuíam sistemas político-ideológicos distintos e cada um queria ampliar suas áreas de influência sobre o outro.
A corrida armamentista foi intensa durante a Guerra Fria.

Essa lenga-lenga durou mais de quatro décadas, indo de 1945 a 1991. Durante esse período esses dois países travaram uma batalha (sem o registro de uma bala sequer disparada entre eles), pela busca da hegemonia mundial. Tudo foi feito através de terceiros (até as balas trocadas). Para tanto, destinaram dinheiro para algumas nações se reestruturarem, fomentaram conflitos, faturaram fornecendo armas durante os conflitos, interviram na política externa, e por aí vai. Já entre diretamente, para nossa felicidade,  as coisas não passaram de muito bla, blá, bla. Para aumentar sua influência, portanto, era preciso conseguir superioridade, o que acabou proporcionando muitos fatos históricos.

Foram altos os investimentos em tecnologia, principalmente para a indústria bélica. Fato que ficou conhecido como 'corrida armamentista'. O mundo ficou dividido em dois blocos: capitalista ou socialista. Em alguns momentos ficou iminente a possibilidade de sair do blá, blá, blá e haver um confronto entre eles, devido às tensões e ao grande arsenal nuclear que ambos armazenaram.


A conquista do espaço, depois da militar, foi a área que mais consumiu gastos. Ambos investiram pesado em pesquisas, com prioridade para a exploração da Lua. Essa queda de braço ficou conhecida como a 'corrida espacial', tudo em nome da supremacia. Em 1957, a União Soviética saiu na dianteira com dois eventos que entraram para a história. Em outubro lançou o Sputinik, o primeiro satélite artificial; e no mês seguinte enviou a cadela Laika, a bordo do Sputinik 2, o primeiro ser vivo a ser lançado ao espaço.

Os americanos humilhados com o feito russo entenderam que precisavam correr atrás do prejuízo. Uma das primeiras ações foi a centralização dos esforços espaciais numa única agência. Com essa decisão o governo americano demonstrou sua vontade política de fazer essa superação científica. Em 29 de junho de 1958 era criada a NASA - 
National Aeronautics and Space Administration, que passaria a ser  responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial. Sua missão oficial é 'fomentar o futuro na pesquisa, descoberta e exploração espacial. Não demorou muito lançarem o satélite Explorer I, que transportava vários aparelhos de pesquisa. Porém, os russos não estavam dormindo. Eles conseguem um feito ainda maior ao realizarem, em abril de 1961, o primeiro voo tripulado por um ser humano. A bordo da nave Vostok, o astronauta Yuri Gagarin teve o privilégio de orbitar a Terra e entrar para a história, e pronunciar a frase que ficaria célebre: “A Terra é azul”.


O pequeno passo dado pelo homem,
segundo Armstrong.
Os EUA, vendo que estavam comendo poeira, passaram a investir mais ainda no projeto espacial. Conseguiram no ano seguinte colocar John Glenn em órbita da Terra. Assim a disputa ficou mais ou menos equilibrada, até que os americanos selaram em 1969, de forma definitiva, sua dianteira na corrida espacial. Em 20 de julho daquele ano conseguiram tripular a nave Apolo XI com os astronautas Edwin Aldrin Jr., Neil Armstrong e Michael Collins. Essa missão, transmitia ao vivo pela televisão, também teve sua frase que entrou para história pronunciada por Neil Armstrong: “Este é um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”.

No mundo da Lua
"O sonho não acabou." John Lennon


Homer com a srta. Riley.
O sonho de se tornar um engenheiro espacial, no final da década de 50, era ousado demais para uma comunidade como a Coalwood, que por sua vez não era diferente do restante do país. Até porque nenhum pai queria para seu filho uma profissão que ainda não era reconhecida. Baseado no romance autobiográfico Rocket Boys, de Homer Hickam Jr., o filme conta a história de quatro garotos da pequena cidadezinha que pretendiam   mudar  suas  vidinhas medíocres com algo que enxergavam poder mudar seus destinos. Uma lição importante que se pode tirar do filme é a que devemos lutar por nossos sonhos, não importa quais sejam as barreiras. E elas não são poucas na pequena cidade sem recursos que viviam: raridade de livros técnicos, dinheiro escasso, falta de horizonte. Porém, atrapalha muito quando falta apoio e compreensão de todos os lados, principalmente da família. Quando passa a se interessar pelos foguetes e como construí-los, falta o apoio do pai que não aprova o interesse e espera que Homer, assim como 95% da população da cidade, vá trabalhar com ele na mina. 

A sociedade americana, com a mentalidade que vigorava na época, reagia mal à 'revolução que passava pela cabeça de jovens como os de Coalwood. Eram tempos de mudança. Os anos 60 prometiam. O americano comum ainda não havia deglutido a nova realidade. Uma frase do filme é emblemática quanto a isso: "Deixe-os ficar com o espaço cósmico. Nós temos o rock 'n roll", pronunciada pelo adolescente Roy Lee, colega de Homer,  ao ouvir no rádio a notícia sobre o Sputinik. Aqueles jovens não tinham ideia do representaria em suas vidas aquele 4 de outubro. 

Não podemos esquecer que dessa geração de estudantes sairiam os primeiros engenheiros aeroespaciais, que iriam compor o quadro técnico da recém fundada NASA, e que colocaria o homem na Lua no final dos anos 60. 

O filme inicia com outra declaração emblemática esta sobre o temor dos americanos com a Guerra Fria, dada pelo locutor de uma estação de rádio: "Para os que acabam de sintonizar nesta edição especial, Washington confirmou que ontem dia 4 de outubro de 1957, a União Soviética lançou com êxito o primeiro satélite feito pelo homem, em órbita da Terra. ...Ninguém em nossa capital nacional, negou que o satélite abre nova e desagradável na Guerra Fria.  E, de fato, uma onda de ansiedade nacional parece já estar inundando a   nação.":


Homer com o pai autoritário.
O roteiro adaptado por Lewis Colick, começa contando como, aos poucos, ia tomando forma a 'corrida espacial' entre as duas superpotências, como já descrito acima. O lançamento do Sputink, fato inédito, serviu como estopim para um novo rumo da humanidade. A história mudaria radicalmente. Entre os fatos pipocavam as paranóias, como a de os russos estariam vigiando bases americanas com o tal Sputinik.

O adolescente Homer fazia parte desse grupo restrito de pessoas visionárias, que enxergam além de seu tempo, e era apaixonado pelo tema 'foguetes'. Sua adolescência não foi fácil,  pois competia pela atenção do pai com seu irmão, Jim, um  talentoso jogador  de  futebol.


Sentia-se sem chances nos estudos, e no esporte não tinha porte físico, para conseguir uma bolsa numa  boa Universidade. Vivia 
atemorizado com a ideia de ter que trabalhar numa mina de carvão, única atividade econômica da pequena cidade onde vive. Seu pai, John Hickman, dedicado, trabalhador e chefe dos mineradores. é porém autoritário, é interpretado pelo sempre excelente Chris Cooper (1951-). Apesar de responsável em boa parte do filme pela interpretar do pai de personalidade forte, sabe escapar com habilidade da tentação de exagerar na caracterização do tirano., e que é um dos líderes na mina de carvão.


Homer planejando seus foguetes.
Certo dia, Homer vê algo brilhando nos céus que todos acreditam ser o Sputnik russo. Foi o suficiente para ficar impressionado, e à mesa de jantar, para surpresa de todos, revelar que estava interessado em construir um foguete. A princípio, ninguém deu bola, por acreditar se tratar de uma sandice momentânea e passageira. Assim sofreu apenas repreensão da mãe, Elsie Hickan, Natalie Canerday (1962-), para evitar explodir as coisas.

Reunido com os amigos Roy Lee Cook, William Lee Scott (1973-) e Sherman O`Dell, Chad Lindeberg (1976-), Homer destrói a cerca de sua casa com seu primeiro foguete, precariamente construído no porão de casa. Determinado, entretanto, ele decide não abandonar a ideia.

Assim, ao se decidir por aperfeiçoar as técnicas que utilizava, aproxima-se do garoto rejeitado pela turma, Quentin Wilson, Chris Owen (1980). Chris faz o papel do típico estudante desajeitado que não consegue se enturmar. Criativo, Quentin fornece boas ideias a Homer e também junta-se ao grupo para colocar em prática suas experiências com os foguetes. Além de contar com o importante incentivo da professora de matemática Frieda Riley, Laura Dern (1967-), Homer consegue também a preciosa ajuda de dois aliados: do soldador Ike Bykovsky vivido pelo veterano russo Elya Baskin (1950-) e do metalúrgico Jake Mosby .

Seu horizonte se abre em 4 de outubro de 1957, quando os russos põem em órbita o Sputnik, o primeiro satélite artificial da história. Encantado, Homer decide tornar-se um construtor de foguetes. Mas encontra a oposição do pai, supervisor da mina e cabeça-dura de primeira.
Aliás, as sequências nas quais os quatro garotos constroem e fazem os lançamento numa base providenciada com materiais `emprestados` são algumas das melhores do filme. Os garotos chegam ao cúmulo de tirarem os trilhos de uma ferrovia em desuso, e levam  um  grande  susto quando descobrem que pode não estar desativada.


Os quatro se protegendo do laçamento de um dos fogutees.
Um grande momento do filme ocorre quando eles recebem da professora de matemática a notícia  que poderiam participar da Feira Nacional de Ciências. Após uma sequência de tentativas desastrosas no lançamento dos foguetes caseiros, ao som da clássica canção Ain't that a Shame do Fas Domino, a notícia que se saíssem vencedores da Feira, poderiam ter a chance de conquistar bolsas de estudos, e assim escaparem de se transformarem em mineiros agradou a todos. As Feiras de Ciência foi uma forma do sistema educacional americano reagir (morosamente) nos anos 50, ao processo político e tecnológico para recuperar o tempo perdido. Esta nova modalidade de conceder bolsas de estudo, alterava a forma tradicional que era a de conceder aos que se destacavam nos esportes. A decisão demonstrava que o país precisava reagir, que precisava de cérebros, não de músculos. Essas bolsas, como mostrado no filme foram um incentivo para criar uma geração de cientistas.para enfrentar o desafio espacial..

As coisas parecem caminhar  bem  para  os  quatro,  mesmo  Homer continuar sob a vigilância atenta do pai, que não desiste de transformá-lo em um colega nas minas, para dar continuidade aos seus negócios, enquanto Jim estuda custeado pela bolsa que ganhou como jogador defendendo as cores da Universidade de Indianapolis. Um dia, porém, um   foguete que havia extraviado foi encontrado nas arredores de um incêndio que devastou uma área florestal. Presos, eles decidem que o melhor é desistir de seus sonhos.

Infelizmente, Joe Johnston (1950-), cujo currículo não tem grandes destaques, poderia ter tirado mais proveito dessa biografia que possui uma história com potencial para muito mais. Seu filme perde tempo precioso com reviravoltas em demasia e tramas secundárias desinteressantes e mal desenvolvidas. Na mão de um roteirista mais competente o resultado final, se não foi comprometedor, poderia entretanto ter sido superior.  

O segredo de uma boa transposição para a tela, não está em inserir o máximo de conteúdo possível. Como por exemplo: no relacionamento afetivo de Homer com sua namorada, que parece claramente artificial e sem contribuir positivamente para o motivo da história; e no destaque dado ao papel do irmão mais velho, que também não contribui em nada para o propósito da trama. 



Olhando o sucesso de um lançamento.
Entre os problemas encontrados com a direção de Johnston, estão os abusos com os inevitáveis clichês, a maioria infantis. Cito dois: o conflito de gerações e a disputa com o irmão mais velho, mimado e preferido do pai; o outro, um dos mais bobos, é aquele em que o soldador é transferido para a mina, logo após ajudar Homer. Quando ele pendura sua ficha de identificação, dá um beijo nela dizendo “isso é para dar boa sorte”. A partir desse ato fica fácil para o espectador antever seu futuro na próxima cena. Outro problema, são as reviravoltas, algumas monótonas. Aqui cito a que acontece depois de um acidente na mina que vitima o pai de Homer, obrigando-o a abandonar a escola para ocupar o lugar do pai para ajudar nas despesas da família. 

Contudo, o filme tem seus momentos mágicos e um deles é quando Homer se encaminha para mina, como com a expressão de estar indo para o cadafalso, olha para o céu, e vê uma estrela cadente. Naquele momento, acredita que seus sonhos estão acabados. Entretanto, seu anjo da guarda, a professora Riley, que sempre o estimulou está sofrendo de uma grave doença degenerativa, o estimula a retomar as pesquisas com os amigos, e descobrem que o foguete achado na floresta e responsável pelo incêndio, não era deles. O filme mostra através do relato autobiográfico de Homer, sua luta para realizar seu sonho de se tornar um engenheiro espacial e suas dificuldades na superação de barreiras como a cultural, tecnológica e política. Uma mensagem com um belo exemplo de perseverança. O Céu de Outubro está tão longe de ser uma 'obra prima', quanto está de ser um 'encalha pipoca', encontra-se equidistante entre esse dois pontos. É assistir para conferir.
Por Luiz Alvarenga

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