sábado, 1 de junho de 2013

ARGO (Argo, 2012 - EUA)

Como um ‘lindinho’ de Hollywood, tido como 'cabeça ôca', mostra serviço quando está por trás das câmeras.
Ben Aflleck começou a revelar seu talento primeiro como roteirista. Em 1997 já recebia um Oscar por Gênio Indomável, em parceria com Matt Damon. Com Argo, seu terceiro trabalho na direção, viu chegar sua esperada consagração. Com ele conseguiu também engabelar um bocado de gente, construindo uma mentira ao distorcer os fatos com tremenda desfaçatez. 



Uma velha e bem conhecida Senhora
"Obrigado. Obrigado. Obrigado. Obrigado. Poderiam checar novamente o envelope, por favor?" - Martin Scorsese -  ao receber o Oscar de Melhor Diretor por "Os Infiltrados". Ganhava seu primeiro Oscar após sete indicações. 


Todos querem exibi-la
em suas estantes
.
Em março de 1927, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tornou-se uma entidade legal, e Douglas Fairbanks (1883-1939), seu presidente, um dos primeiros a se tornar lendário em Hollywood. Foi criada para incentivar os artistas e a produção de bons filmes, mas também para festejar, pois, afinal, publicidade nunca faz mal a ninguém. No dia 16 de maio de 1929, aproximadamente 250 estrelas e astros se fizeram presentes no Hotel Hollywood Rooselvelt (do próprio Fairbanks e Mary Pickford (1893-1979), onde foi servido um jantar que só tem similar no Alvorada. Acontecia a primeira cerimônia do Oscar. Porém, a estatueta ainda não havia recebido esse nome. O nome Oscar só ocorreu quatro anos mais tarde, em homenagem a um sujeito que parecia com ela ou vice versa. 

No jantar, os premiados já eram conhecidos de todos. Naquela época não havia surpresa já que os resultados eram entregues antecipadamente à imprensa, para serem publicados no dia da cerimônia. Foi a partir de 1941 que o sigilo foi adotado e a surpresa passou a fazer parte da cerimônia. Mesmo com todos os preparativos, não houve grande estardalhaço na imprensa. As estações de rádio também não se interessaram pelo evento. No ano seguinte, porém, já houve transmissão direto do Hotel por uma emissora de rádio, e em 1953 ocorreu a primeira transmissão pela TV. 

Janet Gaynor, primeira mulher
a receber um Oscar
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Foram entregues um total 15 prêmios. A noite teve a atriz Janet Gaynor (1906-1984), atriz de Nasce Uma Estrela (1937), como a única mulher a ser premiada, e Asas (1927), como melhor filme. No ano seguinte os prêmios foram reduzidos para sete, e passou a oscilar a cada ano, dependendo dos destaques. Desde então muito coisa rolou, boas e ruins. Politizou-se. A cerimônia é frequentemente acusada em diversas ocasiões de divulgar resultados controversos e injustos. De não ter dado o devido valor a obras de qualidade, em detrimento de outras de maior valor duvidoso. Uma estatueta conferida pela 'velha senhora', é verdade, não chancela um trabalho como sendo o melhor, apenas que foi agraciado por um corpo de jurados. Não forma poucas as decisões questionáveis. Apesar de tudo, o glamour, o prestígio e o fascínio que exerce, continua porém inabalável, principalmente para aqueles que são candidatos a ganha-la. Afinal, quem não a deseja em sua estante?

E a velha Senhora, atrevida, deu uma senhora esnobada
"Esnobar é pedir café fervendo, e deixar esfriar." - Millôr Fernandes

Affleck recebendo seu Globo de Ouro de melhor direção por ARGO
Quando divulgaram o anúncio dos indicados de 2013, ficou patente que a Academia deu uma bela esnobada em Ben Affleck (1972). O fato levou todos a pensar que as chances de Argo (2012) levar o Oscar evapora-se. Porém, de forma  inesperada, a obra de Affleck começou colecionar prêmios importantes em série. De diferentes setores da indústria do cinema. O primeiro foi o Globo de Ouro de melhor filme. Em seguida, vieram o de filme do ano pelo PGA (Sindicato dos Produtores), e o prêmio de melhor elenco − que tem a mesma força ao de melhor filme − do SAG (Sindicato dos Atores). Também saiu-se vitorioso no Critics Choice, este dos críticos de TV, cuja divulgação precedeu o anúncio dos indicados ao Oscar. Se, isoladamente, esses prêmios já exercem uma boa influência nos jurados, crítica e público, imagine a força do pacote. Transformam qualquer candidato num oponente poderoso, quase imbatível. 
Recebendo os prêmios do DGA e da Academia.
E a coisa não parou por aí.  Complicou de vez quando Ben Affleck ganhou o prêmio anual do DGA (Sindicato dos Diretores), este considerado como uma das maiores prévias para o Oscar. O que acabou por tornar Affleck como o terceiro cineasta na história do DGA, a ser premiado como melhor do ano na categoria sem concorrer ao prêmio da Academia. Porém, com a grande diferença que nenhum dos cineastas anteriores tiveram o privilégio de ver seus filmes levar o Oscar. O filme de Affleck foi o primeiro a conseguir o feito desde 1949, quando as duas premiações passaram a coexistir.

Com o laurel do DGA garantido na estante, aumentara em muito a expectativa por uma vitória de Affleck. Pois, quando uma obra é eleita a melhor do ano por respeitadas instituições, a lógica seria a Academia premiar também seu criador, certo? A noite da entrega do Oscar provou que com ela, a velha e ranzinza Senhora,  a coisa não funciona de maneira tão cartesiana assim. Costuma ser simplesmente esnobada. Aliás um comportamento idiossincrático bem típico da Academia. Este temperamento, leva o mundo a esperar qualquer coisa quando se trata de entrega do Oscar. Precedentes recentes comprovam essa conduta controvertida: Chicago, em 2002 e Crash, em 2004, são dois bons exemplos.
 Agência Fars, dirigida pelos Guardas Revolucionários iranianos,
que definiu Argo como sendo um filme anti-iraniano,  
financiado por uma empresa sionista, em clara referência 
à sua produtora Warner Bros, sedeada na Califórnia. 
Tão logo o filme de Affleck foi divulgado como vencedor do Oscar, as agências de notícias iranianas manifestaram seu profundo descontentamento. Para a agência Mehr, a escolha da primeira-dama Michelle Obama para anunciar a vitória do filme "foi um sinal claro da politização da premiação". "Hollywood abriu mão da qualidade cinematográfica em nome da distorção da realidade." Segundo o cineasta iraniano Behruz Afjami, o filme de Ben Affleck foi feito "com fins propagandísticos" e sua vitória "é o maior golpe (mais um) que se podia dar no prestígio da Academia de Hollywood". 

A rigor, a Academia não precisa que pedir  benção a quem quer que seja para tomar suas decisões. Mas não dá para disfarçar que nesse episódio a octogenária senhora marcou bobeira, metendo´se numa tremenda saia justa. Poderia recuar, assumindo que errou por não indicar Affleck. Entretanto, despótica e caprichosa, preferiu agir com sua costumeira :'mão de ferro calçadas com luvas de veludo' (conceito que foi muito difundido por Napoleão). Com uma estapafúrdia, optou por deixar o lugar que Affleck havia reservado em sua estante, para uma estatueta, tida como certa, esperando para a próxima temporada. Pelo menos o episódio teve seu lado positivo, pois serviu para mostrar que Argo não foi um acidente de percurso em sua carreira; mostrou que o ‘lindinho’ tem realmente a manha.

Os fatos históricos
"A história é o mais perigoso produto jamais preparado pela química do intelecto. Provoca sonhos, inebria as nações, sobre carrega-as com falsas reminiscências." - Paul Valéry


O inimigo sempre à espreita.
O filme se situa no Irã, em novembro de 1979, e retrata o episódio que entrou para a história como ‘A Crise dos Reféns do Irã’, durando até janeiro de 1981. Foram tensos os 444 dias de sua duração. O conflito que é visto como um emaranhado de intrigas, vingança e incompreensão mútua. Teve início quando cerca de 54 pessoas foram feitas reféns na embaixada americana em Teerã, por uma turba de estudantes islâmicos em apoio à Revolução Iraniana. Eles exigiam a extradição do xá Mohamed Reza Pahlavi, − um dos maiores tiranos da história do país, que passava por tratamento médico nos EUA. 

A crise que eclodiu num momento sombrio e crucial entes as duas nações com repercussão diferente em cada uma delas. No Irã a tomada da embaixada foi vista como um duro golpe contra o imperialismo americano e sua influência no país. Eles criticavam as várias tentativas de minar a Revolução Iraniana e o apoio de longos anos dados ao xá. Já nos Estados Unidos, foi vista como uma afronta, uma violação de um princípio secular do direito inter nacional que concede total  imunidade tanto a diplomatas quanto à sua ‘missão’.x
A invasão.
Se nos EUA o episódio foi visto como uma das principais causas para a derrota de Jimmy Carter em 1980, no Irã serviu para solidificar o prestígio do Aiatolá Khomeini e do poder político daqueles que se opunham contra qualquer aproximação com o Ocidente. A crise foi a responsável pelo início das sanções econômicas contra o Irã, e atingiu seu auge quando meia dúzia dos reféns conseguiram escapar. Dois deles ficaram na residência do embaixador canadense Ken Taylor. Os outros quatro foram para a casa do primeiro-secretário John Sheardown, em atenção a um pedido de seu amigo Robert Anders, um dos fugitivos. Anders havia pedido a Sheardown proteção para os três colegas que o acompanhavam. “Why did you take so long?”, teria perguntado Sheardown. Que amigo, heim? Colocando com a decisão, seriamente em risco sua própria integridade física e de sua família.
Be welcome in Iran!
Segundo o embaixador, foram necessários cerca de três meses de intensa preparação no planejamento da fuga. Durante esse tempo, o governo canadense colaborou com os documentos necessários, enviando os passaportes, seguro social, carteiras de motorista, etc.. Ficou para os americanos apenas a tarefa de forjar os vistos de entrada, e acreditem, mesmo assim fizeram merda. Os selos falsos continham um erro grosseiro e perigoso, feito pelo agente que ficou encarregado de apor as datas de entrada. Foi Roger Lucey, outro membro da embaixada canadense, que descobriu a mancada. O  coitado passou horas refazendo (falsificando) os documentos, e depois torcendo para que seu meticuloso trabalho ainda conseguisse ludibriar os iranianos.

Sem ter como escapar e precisando serem removidos rapidamente, pois caso descobertos corriam sério risco de execução, os pobres coitados depositavam suas esperanças em alguma estratégia de resgate promovida pela inteligência de seu país. Porém, os americanos só começaram a se coçar após os reféns estarem três meses nas duas residências, devido à obstinação de Taylor em explicar que as duas residências já estavam sob suspeita dos iranianos.

A versão de Affleck
"É preferível ser irresponsável e estar com a verdade do que ser responsável e no erro." - Winston Churchill


Affleck procurando o melhor enquadramento.
A história está atulhada de fatos que foram reescritos (eufemismo para manipulados) para atender ou acobertar interesses ou reclames de momento, nunca nobres, sejam de impérios poderosos, de outros nem tanto ou até mesmo de republiquetas de banana. Por isto, não é absurdo afirmar que boa parte das histórias que nos tentam nos enfiar 'guela abaixo' não é apoiada em fatos, mas de versões. Segundo or articulista Sylo Costa, um bom exemplo está na Revolução de 64, promovida pelos milicos. Antes, porém, a ressalva que não sou fiador de nenhum dos lados ou de seus autores, pois, entre os tantos infortúnios que o episódio nos deixou como legado, estão a tortura e uma geração atormentada pela insegurança, ceticismo, desconfiança e angustia existencial. 

Rola uma versão, dita moderna, sobre a Revolução, que, em sua essência, contradiz frontalmente os fatos. Uma minoria anárquica − que todos sabem quem são , anda difundindo que quem lutou de armas em punho, assaltou bancos, sequestrou pessoas e até matou, o fez em nome da causa(?). Apregoam aos 'quatro ventos', que lutavam pela democracia contra uma ditadura que amordaçava a nação, tolhia a liberdade e torturava em porões. Que democracia? Nada mais falso! Lutavam sim, e ainda lutam, mas pelo ideal comunista, um outro modelo bem conhecido de ditadura. Querem de toda forma se apoderar do poder a qualquer custo, amordaçar nossa imprensa e silenciar nossos tribunais. Essas aves de rapina ainda sonhavam em transformar, isto sim, nosso país na Cuba do hemisfério sul. 


Para aqueles que tiverem tempo e curiosidade de pesquisar sobre os eventos que serviram de base para o roteiro de Argo − o nome é uma alusão ao navio mitológico de Jasão em sua busca pelo Velocino de Ouro , descobrirão que o longa é uma pérola como exemplo de manipulação. Sua trama se baseia em fatos reais  a invasão da embaixada americana em Teerã no ano de 1979  narrados no artigo How the CIA Used a Fake Sci-Fi Flick...-Wiredpublicado na revista Wired em 2007, de autoria de Joshua Bearman; e no livro Master of Disguise: My Secret Life in the CIA, do próprio Mendez. Ambos tratam do evento ocorrido em 1979, quando a CIA, com a ajuda de Hollywood, inventou a história da equipe de cinema que procurava locações para um pretenso filme de ficção científica em Teerã, que se chamaria Argo. Missão cujo objetivo era resgatar meia dúzia de reféns. 
Vídeo sobre Tony Mendez e seu livro Master of Disquise.
No longa produzido George Clooney (1961) , além de dirigir, Affleck fica também com o papel do mentor do plano, o agente da CIA Tony Mendez, que na época pertencia a equipe de Jack O’Donnell.  Além dele fazem parte do elenco principal o ator Bryan Cranston (1956), que interpreta Jack O'Donnell, o ex guarda-costas do presidente Eisenhower e atualmente diretor na CIA; Alan Arkin (1934), que faz o produtor de Hollywood Lester Siegel (1919-1988); enquanto o ator John Goodman (1952) é o especialista em maquiagem John Chambers (1922-2001). 
Segundo Harold Von Kursk, jornalista 
alemão naturalizado canadense,
Ken Taylor, foto acima, era apenas 
um 'garçom de luxo' na visão de Affleck.
Ao negligenciar os fatos históricos que lhe serviram  de base, criando uma ode com finalidade única de enaltecer o manjado e desenfreado ufanismo nacionalista americano e seu imperialismo cultural, o roteiro de Argo transformou o filme num panfleto barato de propaganda. Foi assim, que astutamente, na maior 'cara de pau', Affleck manipulou os fatos, sem nenhum pejo, para dar todo o crédito da operação à agência de inteligência de seu país, a CIA.

O canadense Ken Taylor, embaixador em Teerã à época da invasão, e sua esposa Pat, que deram abrigo aos reféns, censuraram a inusitada versão apresentada pelo filme. Na opinião deles, não deram aso canadenses o destaque que mereciam. E não só o casal Taylor manisfestou seu estranhamento sobre a versão de Affleck, outros também o explicitaram. Entre eles está o ex-presidente Jimmy Carter, ao afirmar que “90% do plano foi dos canadenses”. Mark Lijek, outro americano, e dos que passaram os 90 dias na casa de Sheardown, juntou-se ao coro dos descontentes quando viu momentos críticos de sua vida retratados no filme. 
I need a lot of heroes..
Lijek percebeu que os realizadores de Argo deixaram de fora momentos importantes do resgate, e cita como exemplo os de grande tensão gerados pelas enormes dificuldades para encontrar um esconderijo. Em sua opinião, os canadenses mereciam um destaque maior, para não dizer 'um mínimo de respeito’. Outros instantes de grande tensão, lembra, foram  aqueles que precederam a hora de pegar o avião de volta aos EUA. Mas revela: “obviamente, a parte em que os revolucionários iranianos correm atrás do avião no filme não é real”. E completa, “após darmos abrigos aos americanos toda a embaixada canadense passou a se concentrar em nossa sobrevivência e eventual saída. Esta é uma revelação sem precedentes na história diplomática.” “É triste que Argo ignore tudo isso.” Essa parte dos fatos é simplesmente ignorada por Argo, bem como não existe nenhuma menção a Sheardown. Ao lado de Tony Mendez e Ken Taylor, o canadense John Sheardown também desempenhou um papel chave no resgate. Apesar de correr os mesmos riscos, como Taylor não recebeu o tratamento que merecia pelo apoio dado aos reféns naquele novembro de 1979. 
Os tensos momentos no embarque de volta descritos por Lijek, e reproduzidos no filme

Como já ficou comprovado, a mente responsável por trás do plano de fuga foi Ken Taylor. Como a mente que a arquitetou, ele a planejou enquanto a CIA e seus agentes, tendo Mendez à frente, apenas colaboraram para preparar a maluca estratégia. Em uma de suas declarações à imprensa, Taylor desabafou: “Eu acho que o meu papel foi um pouco mais importante do que simplesmente abrir e fechar a porta da frente da embaixada”. Após ver o filme, decepcionado, Taylor declarou que “Argo  faz parecer que os canadenses estavam ali apenas a passeio.”

Mesmo assim, logo que teve acesso ao roteiro de Argo, Ken Taylor procurou Aflleck e, na sua monástica humildade, solicitou mudanças, porém reconhecendo que o herói da ação foi realmente o agente da CIA. As mudanças  não eram para enaltecê-lo, e sim a seu país, que desempenhou um papel relevante, conforme afirmou à TV News canadense.
Capa do livro de R. Wright.
Robert Wright em seu livro Our Man in Tehran (2010, Trent University, ainda não editado no Brasil), Robert Wright confirma as declarações de Taylor. E uma das informações mais reveladoras contidas no livro foi a que ele estava espionando para os EUA, o que foi prontamente confirmado por Taylor. Atendendo a um pedido pessoal do então presidente Jimmy Carter e com a aprovação do primeiro-ministro canadense, Joe Clark, ele colaborou com informações durante a crise com o Irã

Como podemos constatar, Affleck nos oferece um vaudeville de descarada propaganda ianque. Exagerou quanto a participação dos seus compatriotas tornando pífia a dos amigos canadenses. Apresenta o agente da CIA Tony Mendez, especializado em exfiltração, como a pessoa que trabalhou nos bastidores defendendo a idéia de se usar um disfarce para os reféns – como se participassem de uma equipe de cinema, que teria chegado a Teerã com ele no mesmo dia fingindo procurar locações para um pretenso um filme de ficção científica Tudo uma tremenda encenação para provar ao Ministério da Cultura do Irã, que precisavam entrar no país com objetivo de escolher as tais locações. 

Affleck no papel de Mendez, durante as filmagens. 
Justiça seja feita, essa é uma das poucas partes do roteiro que possui alguma veracidade. Tudo o mais é falso como uma nota de três Dólares. E realizado com o propósito de satisfazer ego do diretor (tão grande quanto seu talento para dirigir), e de um público, seus compatriotas, carentes e ávidos por heróis. Mark Lijek, um desses compatriotas,  em declarações à imprensa, confirma essa parte do filme como sendo verdadeira, e que na época foi o primeiro a concordar com ela.  
Tony Mendez era funcionário da CIA desde 1965. Na época comandava a Seção de Disfarce e atuava como supervisor das operações de logísticas em ações de resgate. Mestre em disfarce, habilidade pela qual era muito conhecido e requisitado.. Ao lado do embaixador canadense, é preciso admitir que Tony Mendez foi um personagem de muita coragem. Olhando sua biografia, ficava fácil concluir que o sujeito era talhado para esse tipo de missão; tinha o dom. Correr riscos era com ele mesmo. Estava acostumado a participar de missões perigosas e não só no Irã, já colocara  sua vida em risco em muitas outras como no Vietnã e outros países. Durante a Guerra Fria resgatou famílias inteiras, incluindo crianças, na ex-União Soviética.  
O'Donnell, superior de Mendez na CIA.
Com seu mimetismo, uma incrível capacidade de entrar e sair ileso de terrenos movediços com identidades falsas era uma de suas raras habilidades. Aposentado desde 1990. Mendez tornou-se um premiado artista plástico e escritor. Contava com 38 anos, quando foi requisitado por seu superior Jack O’Donnel, para cuidar do caso. Outro aspecto de sua vida que impressiona, era a complacência de sua mulher, como ela lidava com tudo isso. Entendia que o trabalho dele era sigiloso, e que quando ele sumia por dias era porque estava em alguma missão, a serviço de seu governo, em algum  lugar do planeta tentando resgatar pessoas. Que mulher! 

Segundo ele, por mais maluca que a operação pudesse parecer para quem estava de fora, naquele momento, contudo, se mostrou a estratégia perfeita para um grupo de seis pessoas chegarem e sair do Irã, no meio da revolução e sem levantar suspeitas. Ele sentiu-se confortável e mais seguro em detrimento de outras alternativas que foram apresentadas. Acreditava poder construir boas respostas sobre a produção de um filme de Hollywood, fingindo ser o coordenador de transportes do grupo. O fato dos passaportes serem canadenses, revelou ele, aumentou nossa confiança de que podíamos fazer isso. 
I only want your money, otário.
Ben Affleck deveria ter seguido na direção de elaborar um roteiro íntegro, honesto, deixando claro que na execução do plano a participação da CIA foi meramente colaborativa. Porém, preferiu fazer seu público de bobo, navegando  no seu mundinho onírico, surreal, no qual a verdade sempre está distorcida. Nele, onde o nacionalismo sempre dita as regras, optou por destacar o envolvimento de seu país esquecendo-se que sem os canadenses seria impossível haver resgate, e, por consequência, quiçá seu filme. Em sua paranóia nacionalista e querendo defender a rudeza de sua visão, afirmou em entrevista que: "Argo foi concebido para revelar o papel secreto da CIA."; e complementou "O filme mostra um maravilhoso espírito de colaboração e cooperação. É um grande cumprimento para o Canadá.”. Risível, se não fosse ingrato. Os canadenses devem estar torcendo o nariz até hoje. 
O passeio no bazar só existiu na cabeça de Affleck.

Para ilustrar como funciona o raciocínio de uma mente nacionalista, selecionei três momentos tirados de Argo: no primeiro, Mendez leva os fugitivos para um arriscadíssimo passeio atravessando um bazar iraniano. “Isso teria sido suicida,” afirmou Mark Lijek; no segundo, a sequência do aeroporto, momento que a Guarda Revolucionária interroga o grupo – o que simplesmente nunca aconteceu; no último, Affleck inventa a sequência do jipe militar cheio de soldados armados até os dentes, perseguindo o avião na pista. “É tudo pura ficção”, conta Taylor. "Foi bom ir ao aeroporto – exceto por nossos nervos.".

Contando com o apoio irrestrito de seu chefe Jack O'Donnell, com a ajuda do ator Lester Siegel (1919-1988), e de John Chambers (1923-2001), um renomado especialista em maquiagem da indústria cinematográfica, Mendez monta a equipe e faz uma parada em Istambul, antes de chegar a Teerã. Ali, treina as novas identidades dos refugiados, que passarão a ser cidadãos canadenses, membros da equipe do filme.  Para não levantar suspeitas, caso os iranianos fossem checar a veracidade de sua história, Mendez elaborou um roteiro, alugou uma sala com telefone para servir como escritório da produção, desenhos de produção e um elenco. Também promove publicidade para o filme, uma coletiva com a imprensa internacional e uma reportagem na revista Variety, tudo para ser mostrado à polícia iraniana no momento certo.
“Algumas vezes, um clichê é a  melhor forma
de se explicar um ponto de vista.” Woody Allen
Affleck inteligentemente procurou se valer da moderação e eficiência nos momentos mais triviais (lugares-comuns) do filme. A intenção foi não aperrear o público com situações já bem exploradas em outra produções, atributos de uma boa direção. Mesmo assim não conseguiu se livrar dos velhos e surrados clichês, que acabou transformando-se em outro ponto fraco do filme. O personagem Tony Mendez, é um bom exemplo da existência deles; quem já não viu um filme de ação que não tenha um policial agente enfrentando problemas existenciais? Então, aquele em que tenta reconstruir sua família esfacelada e com um desejo irrefreável de romper com o sistema é dos mais manjados.

Entretanto nem tudo é ruim ou descartável em Argo. O longa tem seu pontos positivos. Contabiliza a seu favor  a  emoção, o mínimo que se espera de um drama, e não decepciona o público mais politizado quando aborda questões espinhosas como Oriente Médio e terrorismo. Outros os pontos a considerara, estão seus atributos cinematográficos. Aí é possível encontrar boa parte de seu charme, como sua caprichada produção, responsável por uma impecável e meticulosa  reconstituição dos anos 70. Outra, foi da revolução islâmica, captando com sensibilidade o clima de histeria coletiva vivida no período. Temos que destacar também seu figurino e a trilha sonora a cargo de Led Zeppelin e os Rolling Stones. Cometeríamos grande injustiça se deixássemos de mencionar seu ótimo elenco do qual, ironicamente, talvez o personagem mais fraco seja do próprio Affleck. Do elenco vale prestar atenção nas grandes performances de John Goodman e de Alan Arkin. Rola uma deliciosa cumplicidade entre os dois, responsável por inspiradíssimos momentos de refinado humor. O que acaba por conferir certa credibilidade aos momentos que aparentam serem improváveis da romanesca versão arquitetada por Affleck.
Uma dupla da pesada: Goodman como o maquiador John Chambers, e Arkin como o fictício produtor Lester Siegel.
A dupla é responsável pelos ótimos momentos de humos do filme.
Affleck faz uso dos diálogos entre eles para ironizar o próprio cinema, meio do qual tira seu sustento. Pois, no início dos anos 80, as produções em Hollywood foram dominadas por financistas preocupados somente em lucro fácil. Essa fase negativa de sua história é responsável até hoje por produções de qualidade duvidosa, causadas pela ação desses homens, para prejuízo de produções com roteiros mais elaborados e diálogos inteligentes. 

O personagem Lester Siegel, vivido por Arkin, foi criado com objetivo de ajudar a estruturar o roteiro. Arkin revelou que inspirou-se em Jack Warner (1892-1978) para fazer seu personagem, e em mais alguns produtores de Hollywood com os quais conviveu muito tempo. O principal deles, Jack Warner, junto com três irmãos, fundou a Warner Bros., também conhecida informalmente como Warner Brothers. 
Uma de suas criações para o clássico
O Planeta dos Macacos
Já o personagem de Goodman foi John Chambers. No passado, Chambers foi um premiadíssimo maquiador de filmes, e dois dos mais famosos que constam de seu currículo são: a obra prima O Planeta dos Macacos (1968) e (1972), e o cult  Blade Runner – Caçador de Andróides (1982). Ele foi o criador do fictício Studio Six Productions (a sala com telefone) e  juntamente com o colega Bob Sidell a fim de dar veracidade à produção de Argo, o filme de mentira. O estúdio, na verdade, se transformou em posto avançado da CIA. Ele também teve a idéia enviar para a imprensa informações do filme, acompanhadas dos storyboard. Como resultado vieram as publicações na imprensa,  como na Variety e Hollywood Reporter. Tudo com objetivo dar credibilidade ao filme e iludir  os iranianos.


Drama de Affleck
Presumo que ao realizar seu filme Affleck tenha passado pelo menos um drama de consciência sobre qual caminho seguir. Seguir o caminho da razão e construir uma obra honesta que, mesmo recheada dos costumeiros clichês hollywoodianos para aumentar a emoção do espectador, fosse fiel aos fatos, ou dar asas à sua vaidade e imaginação, e seguir somente o caminha da emoção construindo um panfleto barato de propaganda imperialista. Após ver o resultado final, percebo que optou por pela polêmica e controvertida, levando todos a pensar que ele foi bem ingênuo ou intencionalmente esperto na sua interpretação do fatos. Teria imaginado que poderia mutilar, ajustar e mentir sem que ninguém percebesse? Em uma de suas entrevistas defendendo seu ponto de vista, afirmou que era um ex-estudante de assuntos do Oriente Médio, da Universidade de Vermont, e que escrevera um artigo sobre a revolução iraniana. Diante de uma declaração dessa fica difícil digerir sua contradição, tido que é como frequente apoiador de causas liberais e grande defensor da liberdade de expressão em seu país

Cinema, indústria de sonhos.
Criar ilusão, inventar mundos inexistentes, arrancar lágrimas em um momento e furor em outro, faz parte do DNA do cinema. Aí reside sua essência, seu encanto. Seu mundo é feito de magia e de fantasia. É a indústria do entretenimento, e seu negócio é faturar fabricando sonhos. Ao assistirmos Argo, percebemos nitidamente que a intenção de Affleck não foi fazer um documentário, longe disso, seu negócio foi realizar uma obra de ficção, um thriller dramático. Assim, como obra de ficção a rigor tudo é aceito, poderia inventar, criar e fazer o lhe desse na 'telha'. Mas ao se decidir por criar uma história baseada em fatos não poderia manipulá-los peremptória e descaradamente. E o fez com objetivo tornar sua história mais atraente do ponto de vista comercial e patriótica para seu público interno. 



Argo, uma obra de cunho nacionalista
com fins de propaganda imperialista. 
E foi exatamente nesse ponto que Affleck cometeu seu maior equivoco. Pois, comportando-se como o senhor da virtude e credor do respaldo de seus pares, do público e da crítica, deve ter se sentido à vontade para agir como se tivesse o monopólio da verdade e perdeu dignidade. Fica aqui, portanto, uma questão para que os leitores respondam: porque Affleck, um ferrenho crítico da política externa americana decidiu dar visibilidade a uma organização como a CIA? Que historicamente, não segredo de ninguém, se viu envolvida em campanhas de caráter suspeito e interesses escusos. Que interferiu na soberania muitos países do Terceiro Mundo, e que contribuiu decisivamente para a queda de Mossadegh e a sua substituição pelo xá? Ao rodar um filme que tem como sustentação um evento histórico, no qual seu país era o principal envolvido, deveria ter estudado mais atentamente os acontecimentos. Infelizmente, não foi o que vimos. Sua conduta foi extemporânea, ignorando e desrespeitando propositalmente a história. 

Podemos relevar vários dos deslizes cometidos como o do tour suicida no bazar lotado, ou o do jipe carregado de revolucionários armados até os dentes perseguindo um jato comercial na pista de um aeroporto, mas fica impossível engolir sua visão histriônica e distorcida dos fatos, unicamente para atender sua enorme vaidade e criar uma peça de propaganda imperialista.
Por Luiz Alvarenga

2 comentários:

  1. Não assisti ao filme até o momento deste comentário, mas ressalto que após tão bem relato histórico, não só do filme, mas da carreira de Affleck e da tão carinhosamente chamada "velha senhora", não me surpreende a grande vontade de assistir o filme que me invadiu a alma, não somente os demais leitores devem um a um vir a concordar e se render a dar no mínimo uma "olhadela" no filme.
    Parabéns pela facilidade em que colocou as palavras e pela organização sistemática do texto!!!

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