domingo, 3 de novembro de 2013

A QUADRA DE ASES: Introdução

Faroeste, o gênero americano por excelência
Parece que Hollywood não quer enterrar seu mais americano dos gêneros 

Nenhum outro período da história dos Estados Unidos mereceu tanta atenção da Meca do Cinema, como o retratado pelos Faroestes. O gênero já foi definido como sendo o cinema americano por execelência. Clint Eastwood, um de seu ícones, considerou-o como a única forma de arte genuinamente americana, ´excessão do Jazz.    
O gênero ainda tem seu espaço?¹
Se invocamos a memória é para nos sentirmos mais acompanhados, quando sabemos que ela não é compartilhada por mais ninguém. Não há nada de mais solitário do que a memória. João Bénard da Costa.


Sua exuberância e vastidão transformaram Monument Valley no cenário
predileto de grandes cineastas como John Ford e Howard Hawks, 
É defendido por alguns que o faroeste é página morta na história do cinema. De certa forma, a afirmação não está muito longe da verdade. E só não é página morta, porque algumas produções recentes, estimuladas pelo sucesso que Clint Eastwood obteve com Os Imperdoáveis (1992), não permitem que se coloque a derradeira ‘pá de cal’. O ocaso desse que é o mais americano dos gêneros, teve início no final dos anos 60. Após esta década, muito pouco se fez que merecesse algum destaque. Porém, na visão dos saudosistas o western ainda não acabou. Na minha, se não acabou totalmente, com certeza não tem mais o apelo e o charme de antes. Explico: as produções atuais por mais bem cuidadas que sejam, e algumas o são, Django Livre (2012) é um belo exemplo, chegando a disputar o Oscar este daquele, não conseguem reviver o glamour nem causar o frisson de antes. É possível lançar mão de todo o arsenal de recursos técnicos que o cinema dispõe atualmente para se reconstruir uma época, mas revivê-la novamente infelizmente não.
Cena de Os Imperdoáveis.
Portanto, não há como trazer de volta o esplendor e a magia daqueles tempos que se produziram em profusão obras do qilate de Os Brutos Também Amam (1953) de George Stevens, ou Meu Ódio Será Sua Herança (1969) de Sam Peckinpah. Esta última lançada já no crepúsculo do gênero. Mesmo que tenha conseguido um sopro de vida pelas mãos do competente Clint Eastwood, um de seus principais ícones, com a obra prima Os Imperdoáveis, o gênero está muito longe de manter o vigor de antes. A produção de Clint é, uma obra do ponto de vista de qualidade, quase que isolada. Como ela pouquíssimo se produziu em seguida.
A era de ouro do faroeste americano foi liderada por dois gigantes da arte de fazer cinema: John Ford, para muitos críticos seu mestre supremo, e responsável por clássicos como No Tempo das Diligências (1939), Paixão dos Fortes (1946) e o imbatível Rastros de Ódio (1956), protagonizado John Wayne, outro ícone do gênero; e Howard Hawks, diretor de Onde Começa o Inferno (1959), El Dorado (1966), este também produzido já no ocaso do gênero.
Os mestres John Ford e Howard Hawks.
Na história dos Estados Unidos o chamado cinema Western é o período recriado na tela, correspondente a três décadas, compreendido entre 1860 e 1890, e podemos afirmar que nenhum outro período da história mereceu tanta atenção do cinema. O gênero também foi definido pelo crítico francês André Bazin como o "cinema americano por excelência", no seu livro O que é o Cinema?
O Grande Roubo do Trem
Tudo começou no dia primeiro de dezembro de 1903, quando dois assaltantes armados renderam um operador de telégrafo, em uma inusitada e ousada operação. Haviam praticado o primeiro assalto a um trem. Iniciava-se assim, em Hollywood, com uma película de apenas 12 minutos, com título O Grande Roubo do Tremo que viria a se tornar um dos gêneros mais bem sucedidos de sua história . Produzido pela Edison Company, de Thomas Edison, o inventor da lâmpada e da câmera de filmar, esta foi a primeira grande obra cinematográfica a ser caraterizada como ‘western’.
O sucesso da produção superou em muito as expectativas mais otimistas na época do lançamento, pois, apesar dos apenas 12 minutos, continha todos os elementos necessários para agradar o público e que viriam a consagrar o gênero, desde um assalto e tiroteios, bem como assaltantes tentando escapar montados em seus cavalos. As pessoas ficavam extasiadas na plateia ao ver as armas apontadas em sua direção. O gênero consagrou-se como tipicamente masculino, no qual as mulheres sempre, ou quase sempre, foram relegadas a papéis inexpressivos. Exceto por um, o inusitado e excelente Johnny Guitar (1954), um dos quatro grandes faroestes que fazem parte da série A Quadra de Ases, e que iremos comentar aqui.
No Brasil o gênero também ficou popularizado com o nome ‘faroeste’. Apesar de reconhecidamente compor um gênero clássico do cinema norte-americano, também teve inúmeras produções em outros países, especialmente na Itália, com os seus famosos ‘western spaghetti’, que teve em Giuliano Gemma, o eterno Ringo, falecido em outubro último.
John Wayne em seu habitat no insuperável Rastros de Ódio.
Os acontecimentos dessa época e região e retratados de forma romanceada pelo cinema, já existiam através do folclore em canções populares e outras formas de expressão cultural, que já evocavam a iconografia dos cowboys, xerifes e bandidos. Embora de carne e osso, os homens que os inscreveram na história tinham algo de heróis. Assim, apenas coube ao gênero transformar em lenda o que já levava bastante jeito para a coisa.
A corrida expansionista, que levou a colonização à fronteira oeste dos EUA, no decurso do século XX, teve seu lado perverso como a dizimação das nações indígenas em nome dos valores que ergueram os EUA. Essa expansão confrontaram os interesses dos colonos de origem europeia com as populações indígenas que habitavam aquela região. A 'confederação Sioux', um dos grupos de nativos americanos foi severamente atingida por essa colonização. Na maioria dos filmes os indígenas foram retratados como criaturas primitivas e violentas, que demonstravam inexplicável hostilidade contra os colonizadores. Obviamente, uma visão míope e politicamente incorreta que, porém, não impediu, contudo, que surgissem obras-primas como No Tempo das Diligências.
Durante um bom tempo, acreditei que detinha pelo menos um recorde pessoal: o número de vezes que um cinéfilo assistiu a um mesmo filme. Foram tantas as vezes, que acreditava ser improvável encontrar um rival que pudesse superar-me. Já considerava, inclusive, a hipótese de reivindica-lo ao Guinnes Book, o Livro dos Recordes. O tal pretenso recorde pertencia ao longa, e bota longa nisto, Ben-Hur (1959), o épico dirigido por William Wyler. Mas estava enganado. 

A primeira vez que assisti ao clássico de William Wyler contava com apenas doze anos, e, desde então, seguramente, já o vi e revi por mais de 40 vezes. Coisa de doido, né? Obviamente, naquela idade, aos doze anos, ainda não tinha uma consciência crítica que justificasse interessar-me por filmes como este, longo e com muitos diálogos entre as cenas de ação. Estava bem longe disto. Entretanto, já possuía a percepção necessária, instintivamente, que me permitia enxergar uma obra com alguma qualidade. Era como se a coisa estivesse em meu DNA. Sei que minha geração teve uma infância diferente. Nosso principal meio de diversão foi o cinema. Era essencialmente um meio de diversão 'barato'.  
Roy Rogers, Dale Evans e seu
fiel cavalo Trigger.
Cada moleque naqueles tempos, final dos anos 50 e início dos anos 60, tinha seu ‘mocinho’ preferido, ás vezes mais de um, para acompanhar suas aventuras semanalmente nas tradicionais matinês das tardes de domingo. Um dos meus preferidos era Roy Rogers. Uma explicação para a drástica mudança, em relação aos tempos atuais, pode ser o fato que na minha época não havia Internet, os jogos eletrônicos etc. As opções de diversão eram as brincadeiras de rua, e naquele cenário o cinema reinava absoluto.  
Quando menos esperava, e para meu conforto espiritual, pois já achava que este negócio de ver o mesmo filme inúmeras vezes era coisa de maluco, um desvio de comportamento, descubro que existiam muitos outros doidos por este mundão afora com o mesmo hábito, para não dizer mania. E em gravidade maior.

Sterling Hayden e Joan Crowford em Johnny Guitar.
A coisa ficou estacionada por aí por um bom tempo até que, recentemente, descobrir que existem outros ‘doidos’ soltos por este mundão afora. Muitos outros, por sinal. È só dar uma olhada no Guinnes Book. Porém, este é um tipo de doido inofensivo, um tipo que só faz mal a si mesmo. Para ilustrar, cito dois casos: o primeiro, o  Germano, um conhecido, que contou-me ter superado minha marca com o mesmo filme. O segundo, este um 'gajo' em Portugal, com uma extensa biografia ligada ao cinema, que chamava-se (sim, porque faleceu em 2009) João Bénard da Costa. O cidadão era conhecido como ‘Senhor Cinema’. Ele ajudou a criar a revista O Tempo e o Modo e a Cinemateca Portuguesa, que foi sua segunda casa durante muitos anos. O gajo tinha algumas coisas em comum comigo: como eu, sem talento para dirigir, gostava de estar no lado oposto da objetiva. Sua paixão era falar e escrever sobre a Sétima Arte. Considerava Johnny Guitar, dirigido pelo competente Nicholas Ray (1911-1979), como um dos filmes de sua vida, e, entre 1957 e 1988, o teria visto apenas umas 68 vezinhas. Quando tomei conhecimento destes dois casos, e de quem se tratavam, pessoas tidas como perfeitamente normais, tranquilizei-me um tantinho, vocês nem imaginam. Percebi que meus números eram até modestos, e que sou, acreditem se quiser, até bem normal.(rs). 
João Bénard da Costa costumava afirmar que, como as coisas muito grandes, Johnny Guitar não se explica. Conta-se (vê-se), outra, outra e outra vez como as histórias que se contam às crianças, até que tudo se saiba de cor e se aprenda que tudo está certo nelas. É a ‘Imitação de Cristo’ dos cinéfilos. Basta abrir-se ao acaso e se encontra a frase certa. Basta ver pela sexagésima oitava vez e se encontra a resposta certa para o que se está a viver. Que Deus o tenha.
¹ A partir deste post será usada a fonte Verdana.
Por Luiz Alvarenga 

Um comentário:

  1. Luiz: Muito bom ! Serei um apreciador constante e atento ao seu bom gosto, sugestões e comentários. Adorei a seção Bang-Bang, e digo que ainda é um gênero apreciado e que traz recordações.
    Saudações do amigo Tuti.

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