domingo, 12 de janeiro de 2014

A NOVIÇA REBELDE (The Sound of Music, EUA – 1965)

Um conto de fadas mágico, que levará mil anos para ser igualado

Numa época que as novelas pregam uma total promiscuidade, jogando os princípios morais no lixo sem nenhum pejo, essa encantadora história dos anos 60 é uma celebração otimista sobre a importância do amor, da família e do poder da música. Como é bom ver Julie Andrews e as crianças cantando Dó, Ré, Mi.     

O que você acha de Maria, Irmã Agatha?  - É muito fácil gostar de Maria... a não ser quando é difícil.
Afinal, a lâ da ovelha negra também aquece. 
A magia do musical
Tenho mais medo da mediocridade que da morte. - Bob Fosse

O cinema é um poderoso instrumento de escapismo. 
Afinal, qual é uma das finalidades mais importantes do cinema? Não é afastar seu público, mesmo que por apenas um par de horas, da realidade sufocante e às vezes cruel do mundo real? Pois é, mas houve uma época, não muito distante, que os musicais recebiam críticas de gente que os consideravam escapistas. O argumento usado era que o gênero contribuía para a alienação do público, desviando sua atenção dos problemas do cotidiano, do mundo real enfim. 

Escapismo é todo tipo de fuga psicológica, cujo objetivo seja aliviar momentos de pressão, uma 'válvula de escape'. Considerando a vida diária como o oposto, uma válvula de pressão, ela é representada pelas cobranças, responsabilidades e compromissos sem fim. Estes exemplos podem ser considerados elementos do real com os quais nem todos conseguem conviver muito bem. Todas essas coisas são meio sem muito sentido. Ora, o que ganhamos de prazeroso suportando tantas pressões? Esta ausência de sentido, somada ao peso que tais tarefas nos impõe, justifica e torna lógico essa fuga que praticamente todos procuram, seja qual por forma for, não importa o tipo de escapismo: drogas, música, mania de coleções (veja o personagem do filme Um Conto Chinês (1911), já comentado no blog, baladas. consumismo. Enfim, qualquer atividade que sirva como diversão, fuga. Obviamente, algumas são saudáveis, outras não.
  
Felizmente, o bom senso acabou prevalecendo e os defensores dessa afirmação bizarra caíram no esquecimento. Hoje, com a perspectiva que o tempo oferece, nada parece mais equivocado do que a pretensão de criticar algo usando como argumento justamente o que exiba de mais atraente. Afinal, se os musicais romperam as fronteiras americanas, transportando para as telas o mesmo sucesso conseguido nos palcos, e conquistaram fãs no mundo inteiro é justamente porque têm a saudável capacidade de levar o público a uma dimensão onde impera a fantasia. Não é pouco, mesmo dentro do universo do cinema, fantasioso por excelência. A dimensão dos musicais tem uma lógica própria segundo a qual um personagem, no meio de uma cena dramática, pode sair cantando e dançando para em seguida, ao final do número, retomar a ação como se nada tivesse ocorrido, e sem que ninguém, na tela ou fora dela, considere aquilo estranho.

Alguns dos principais nomes da história do cinema musical entram em cena na própria década de 30, como o diretor Busby Berkeley (1895-1976), que Hollywood trouxe da Broadway para injetar vida no gênero. Antes de sua chegada, os filmes resumiam-se a uma câmera estática registrando as coreografias em plano geral, quase como se estivesse no teatro. Berkeley fez uma pequena revolução, dando movimento à câmera e incrementando o uso de cenários. Ao mesmo tempo, surgia Fred Astaire (1899-1987), que formou com Ginger Rogers (1911-1995) o mais perfeito e invejado par na história dos musicais. Astaire reinaria sozinho como o dançarino número um 1 do cinema até a ascensão, nos anos 40, de Gene Kelly (1912-1996). Com a ressalva de que o estilo de ambos era muito diferente. Enquanto Astaire representava o modelo clássico, Kelly incorporava um estilo mais livre e atlético com acrobacias e piruetas, nem por isso menos importante, e portanto mais popular. De qualquer forma, ambos participaram de maneira decisiva da fase de ouro do gênero, entre os anos 40 e 50. Coube ao produtor Arthur Freed (1894-1973) reunir na Metro-Goldwyn-Mayer os maiores talentos da época, à frente e atrás das câmeras, para realizar uma sucessão inigualável de obras-primas: O Pirata (1948), Um Dia em Nova York (1949), Cantando na Chuva (1952), A Roda da Fortuna (9153) e Gigi (1958).


Liza, no premiado filme Cabaret, de Bob Fosse.
O que é definido como a "era moderna dos musicais", foi inaugurada com West Side Story (1961), que no Brasil foi exibido com o título Amor, Sublime Amor, de Robert Wise (1914-2005), e Jerome Robins (1918-1998). Uma adaptação vencedora de 10 Oscar de um bem-sucedido espetáculo da Broadway, com trilha sonora excepcional de Leonard Bernstein (1918 -1990) e Stephen Sondheim (1930-). O filme é uma visão urbana e moderna de Romeu e Julieta, para a Nova York dos anos 50, que se estabeleceu como um marco cujo impacto não foi igualado por nenhum outro musical posteriormente. Quatro anos mais tarde o mesmo Robert Wise iria dirigir o magistral A Noviça Rebelde, motivo de nosso cometário. Porém, na década seguinte, o último cineasta a tentar renovar o gênero foi um veterano dos tempos de Arthur Freed na MGM, o dançarino e coreógrafo Bob Fosse (1927-1987), que levou o Oscar de direção por Cabaret (1973) e conseguiu outra indicação por O Show Deve Continuar (1979). 


Entre outros musicais desse período, mas inferiores aos citados acima, estão o mega sucesso Os Embalos de Sábado à Noite (1977), de John Badhan (1939-); Grease - Nos Tempos da Brilhantina (1978), de Randal Kleiser (1946-), que pegou embalo no filme de John Travolta (1954-); Fama (1980), de Alan Parker (1944-); Flashdance (1983), de Adrian Lyne (1941-); Dirty Dancing - Ritmo Quente (1987), de Emile Ardolino (1943-1993), e Vem Dançar Comigo (1992), do australiano Baz Luhrman (1962-), que ganharia fama anos depois com a direção de Moulin Rouge - O Amor em vermelho (2001). Mas que não foram capazes de recuperar nem o charme, nem o prestígio e tão pouco o poder de encantamento da época de ouro dos musicais.


Nicole Kidman como a cortesã Satine em Moulin Rouge.
Na década seguinte, duas outras boas produções conseguiram se sobressair, merecendo nossa menção. A primeira foi Moulin Rouge - O Amor em Vermelho, do até então pouco conhecido Baz Luhrman, que foi exibido em Cannes. Inicialmente o filme não despertou muita atenção, como era de se esperar, mas aos poucos foi colhendo elogios de críticos importantes, como também espaço na mídia e no meio cinematográfico. No final, o filme conseguiu uma legião de fãs e críticos que o elegeram como um dos melhores musicais romântico dos últimos tempos. A segunda foi Chicago, lançada no ano seguinte a Moulin Rouge. do estreante Rob Marshall (1960-). Pouco antes de seu lançamento nos Estados Unidos, Marshall foi perguntado o que aconteceria com os musicais em Hollywood depois de Chicago ser lançado. Ele, sem modéstia alguma, disse: "Se Chicago fracassar, os musicais não teriam futuro algum; ocorrendo o contrário, é só esperar por uma enchente de novos filmes do gênero. Passando mais de uma década, sabemos que Chicago se transformou em sucesso de crítica e público, porém ainda estamos na espera da tal avalanche. 

Uma noviça tão travessa e desastrada quanto encantadora 
 O mais feliz dos felizes é aquele que faz os outros felizes. - Alexandre Dumas

A noviça rebelde.
— Como você resolve um problema como Maria?
...
— Como encontrar uma palavra que defina Maria?
— Imprevisível como o clima. 
— Fugidia como uma pluma. 
— É um demônio.
— Ovelha negra do rebanho.
— Ela enlouquece como uma peste.
— Tira um besouro do próprio ninho.
— É delicada, é maluca. 
— Uma dor de cabeça.
— Ela é um anjo.
— É uma menina.
— Como resolver o problema que é Maria?
— Como pegar a lua com sua mão?

Uma das mais belas imagens já produzidas pelo cinema. 
Era uma vez na planura de uma bela montanha, rodeada de um lado por neves eternas e do outro por magníficas colinas e vale incrustado de majestosos castelos sob um céu azul e ensolarado, uma bela e indecisa noviça que cantava The Hills Are Alive, com toda sua enegia juvenil e sonoridade de uma cotovia. Ela corria de um lado a outro, rodopiando  de braços bem abertos, com a graça de uma bailarina clássica. Em seguida essa serelepe noviça, cheia de vida e esperanças em sua cabecinha sem juizo, desce a montanha de volta à clausura do convento onde vive. Vai cantando e dançando entre árvores centenárias e saltando sobre as pedras de um regato. Encerra assim sua canção dizendo que seu coração será sempre abençoado com o som daquela música envolvente. Podemos descrever com estas palavras os primeiros minutos desse conto de fadas ingenuamente fantástico. Uma sequência de abertura, grandiosa e antológica, que, sem favor algum, está entre as melhores já produzidas pelo cinema. A noviça, interpretada por Julie Andrews (1935-), correndo de braços abertos enquanto canta, tornou-se uma das imagens mais poderosas e emblemáticas já produzidas pelo cinema, e é marca registrada desse grande e inesquecível clássico.

Momentos mágicos que o tempo não corrói.
Apesar de se encontrar às vésperas de completar cinquenta anos, o tempo não consegue envelhecê-lo. A Noviça Rebelde continua encantando gerações com seu charme e encanto. Deixemos para os doutos a ingrata tarefa de explicar porque certos filmes permanecem fascinantes e porque jamais envelhecem. Como um bom vinho, ficam melhores com o tempo. No entanto, no caso do filme em questão, não é necessário consultar um expert em comportamento humano para explicar sua eterna juventude. Basta assistí-lo. Simples assim; somente assistindo-o é possível compreender sua imortalidade. Por mais que as décadas avancem e alguns de elementos pareçam demodê como o guarda roupa, penteados, trejeitos de falar, gírias, etc., sua mensagem e seu vigor juvenil permanecem intactos.

Pá de cal nas pretensões dos musicais.
A década de 60 foi particularmente cruel para os musicais em Hollywood, pois haviam ficado fora de moda. Porém, mesmo diante desse cenário desfavorável, uma produção de 1965 conseguiu arrecadar inacreditáveis US$ 175 milhões somente nas bilheterias americanas e canadenses. O fenômeno, que foi mundial, era A Noviça Rebelde, um raro exemplo de título no Brasil que superou o original. Me recordo que o mesmo fenômeno se repetiu em BH, onde ficou por seis meses em exibição ininterrupta no extinto Cine Guarani. Um recorde que nunca mais vi ser repetido. Nada mau para um espetáculo que sua produtora, a Fox, que detinha os direitos hesitou muito em levar para as telas. E não sem razão, se considerado o que os musicais não tinham mais apelo por volta daqueles tempos. Foi nessa época que Darryl F. Zanuck (1902-1979), foi chamado ao estúdio para presidi-lo e tentar salva-lo da falência provocada pelo fiasco que foi a produção de Cleópatra (1963). Zanuck não estava convencido de conseguir um sucesso com um novo musical. 

Entretanto, o sucesso não se repetiu com as produções seguintes e a pá de cal chegou em 1969 com Alô, Dolly!, um fracasso de público. Foi o suficiente para que os estúdios engavetassem os futuros projetos. O mesmo fenômeno havia ocorrido com o faroeste — ver "A Quadra de Ases - Introdução", publicado neste blog). O fato é que os roteiros com a ingenuidade que vigorava nos anos 30 e a exuberância nos musicais da Metro dos anos 40 e 50, com intervenção de canções nos diálogos, ou inteiramente cantados como em Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), sumiram das telas.


A Noviça Rebelde, uma excessão, surgiu da adaptação do show musical The Sound of Music, de Richard Rodgers (1902-1979) e Oscar Hammerstein II (1895-1960). Foi a última colaboração da dupla que já haviam tido sucessos com o O Rei e Eu, Carrossel (1956) e Oklahoma (1955), dentre outros. O show estreou na Broadway em 1959 e durou 1.433 performances, estrelada por Mary Martin e Theodore Bikel, dirigida por Vincent J. Donehue. Hammerstein sofreu operação de emergência durante os ensaios, em conseqência de um câncer, vindo a falecer em agosto de 1960. Desde então a peça tem sido regularmente remontada nos palcos. 

Shirley Jones e Gordon MacRae em Carrossel.
Inicialmente o filme ia ser realizado por William Wyler (1902-1981), que chegou a fazer toda a pré-produção, inclusive a escolha de elenco e locações em Salzburg, na Áustria. Mas apesar de todo seu prestígio, afinal havia dirigido grandes filmes como Ben-Hur (1959), não foi contratado. Como a peça era um musical baseada na nas composições de Rodgers e Hammerstein, sempre que isso era mencionado levava Zanuck a lembrar-se dos fracassos de outras peças da dupla adaptadas para o cinema como Oklahoma,  Carrossel e South Pacific (1958). E o temor de Zanuck tinha lá bastante fundamento, pois no início dos anos 60 os estúdios e seus velhos executivos estavam naufragando diante de um novo mundo que exigia uma nova forma de se fazer cinema. E os musicais, em particular, se quisessem continuar levando multidões às salas de cinema precisavam estar mais afinados com esses novos tempos. O estilo das décadas anteriores, como dissemos, não agradava mais, precisavam mudar. E entre essas mudanças estava a que os personagens não cantassem mais sem um motivo convincente para o público. Zanuck precisava de um diretor com essa percepção, com uma visão inovadora sobre como conduzir musicais. Portanto, preferiu não se arriscar com Wyler. Mas será que esse diretor existia naquela época?


Amor, Sublime Amor, um Romeu e Julieta urbano.
Foi então que o produtor Walter Mirisch (1921-), seu amigo, afirmou que esse diretor só poderia ser Robert Wise, Apesar de Wise ter figurado nos créditos como co-diretor, ao lado de Jerome Robbins (1918-1998), na verdade foi ele, de fato, quem dirigiu mais de dois terços do filme. Pois, Robbins era coreógrafo e entendia de teatro, foi quem idealizara o espetáculo para o palco, mas não de cinema. Não tinha a menor ideia de como cada cena, rodada sem ordem cronológica, ficaria depois do filme editado. Wise sabia, porque antes de dedicar-se à direção foi um excelente editor. Foi ele, ao lado de  Mark Robson (1913-1978), não creditado, que montaram Cidadão Kane (1941), para Orson Welles (1915-1985).
  
Ensinado música às crianças no deslumbrante cenário à sua volta.
Portanto, William Wyler foi substituído por Robert Wise que acabou aceitando o desafio. Para conduzir a empreitada, Wise levou com ele o roteirista Ernest Lehman (1915-2005) e o desenhista Boris Leven (1908-1986), que também haviam participado da produção de Amor, Sublime Amor. Na adaptação da peça feita por Lehman, foram cortadas algumas canções, as enfadonhas e sem ritmo, acrescentando outras especialmente para o filme, compostas somente por Rodgers, pois Hammersteinr já havia falecido. 

A decisão de manter o roteirista de Amor, Sublime Amor foi acertadíssima. Lehman introduziu uma característica pouco utilizada nos musicais, mas muito eficaz quando usada. A de não iniciar uma seqüência musical de maneira a afetar a cena de que ela faz parte. A técnica é pontuar o inicio das músicas com o diálogo que se desenrola, dando menos valor às introduções dos números musicais, o que permite que algumas seqüências cantadas não sejam previstas pelo espectador. Pelo menos outros dois fatores tiveram grande influência no sucesso do filme: a exigência de Robert Wise de manter o planejamento de Wyler de rodar 80% do filme em locações na Áustria, e que Julie Andrews ficasse com o papel da noviça Maria. Julie, com seus cabelos curtos, conseguiu emprestar à Maria um ar travesso, inocente e encantador. Ele ficara fascinado com o desempenho dela em dois momentos: seu papel de estréia no cinema com Mary Poppins (1964), que lhe rendeu seu único Oscar, e na peça My Fair Lady, ao lado de Rex Harrison (1908-1990). A peça, que estreou na Broadway em 1956, surgiu inicialmente como um musical baseado na obra Pigmalião de George Bernard Shaw. Seu sucesso foi enorme e estabeleceu, desde então, o recorde como a produção musical de mais longo prazo da história, sendo quase que apresentada ininterruptamente há mais de 50 anos.


A produção já começaria com atraso. Para recuperar parte do tempo, Robert Wise foi apara a Áustria com a equipe técnica, à qual se juntou o veterano e experiente diretor de fotografia Ted D. MacCord (1900-1976), que acabou sendo seu último trabalho. Enquanto isso, Zanuck e seus agentes tentavam convencer Julie Andrews a aceitar o papel. Que ela decorou no avião, depois de assinar o contrato, voando atrás de Wise que a esperava.

Uma das sequências em que o som foi adicionada depois. 
O talento e o perfeito domínio do timing e ritmo adquirido por Robert Wise e sua experiência com West Side Story, permitiu-lhe que várias seqüências fossem rodadas sem música e depois, na montagem, fosse acrescentada. Foi assim, por exemplo, na sequência do casamento de Maria com o Capitão Von Trapp, papel dado ao ator Christopher Plummer (1929-), bem como com as melhores seqüências do filme, aquelas que Julie e as crianças cantam Do-Re-Mi. A atriz e as crianças apenas cantavam a letra e Wise filmou a canção na montanha, na margem do rio, no mercado, na carruagem e no jardim. E depois ele e o editor William Reynolds (1910-1997) selecionaram os melhores momentos de cada seqüência e acrescentaram a música com som da melhor qualidade. Não há quem não se emocione. Claro, Wise não fez tudo sozinho mas com a ajuda do diretor musical Irwing Kostal (1911-1994), dos coreógrafos Marc Breau  e Dee Wood, e do produtor associado Saul Chaplin (1912-1997), egresso da Metro e com experiência em musicais.

Jerome Robins e Robbert Wise.
O resultado final mostrou que Zanuck escolhera o diretor correto, conseguindo um filme envolvente com quase 180 minutos, durante os quais o espectador fica extasiado. E como o roteirista é Ernest Lehman, repare as semelhanças no início de Amor, Sublime Amor e a A Noviça Rebelde que começam mais ou menos da mesma forma. No primeiro, a câmera, viaja aos poucos pelo ar, da parte nobre de Manhattan na direção de West Side, o bairro novaiorquino onde se passa a história. No segundo, a câmera, também pelo ar, navega sobre os Alpes Suíços, captando castelos, rios, vales, e montanhas da Áustria até chegar ao lugar onde está Julie Andrews, no alto de uma montanha. Aí há um corte e a tomada seguinte, com a câmera no chão, mostra Julie cantando a música The Sound of Music, tema do filme. Para essa sequência, magistral, foi utilizado um helicóptero é é um daqueles momentos gloriosos do cinema


Como a Academia adora premiar musicais, esse jamais poderia ficar de fora e recebeu 5 Oscars. Merecia mais. Os Oscars foram de Melhor Filme, Diretor, Montagem, Som, Trilha Sonora Adaptada. Merecia mais. Mas como a Academia está sempre pisando na bola, nao deu o prêmio a Julie, dos mais merecidos.

O poder da música 
A música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição. - Aristóteles


O Capitão Von Trapp e seu famigerado apito.
Como musical A Noviça Rebelde tem em sua trilha sonora seu ponto forte. Sem nenhum favor, é uma das mais magníficas já criadas no cinema, produto da ótima e consagrada dupla Rodgers & Hammerstein. Todas as canções tem seu encanto próprio, que emocionam quando cantadas pelos personagens. The Sound of Music”que dá título original ao filme e Do, Ré, Mi, são canções que por sua mucicalidade e simplicidade são decoradas num piscar de olhos. As demais, como My Favorite Things e Climb Every Mountain, são igualmente lindas e fornecem belas mensagens.


O filme, como é do conhecimento geral, foi baseado na história real do Capitão da Marinha austro-húngara Georg Ludwig Ritter von Trapp e da noviça Maria Augusta Kutscher, 26 anos mais nova. Obviamente, que a versão hollywoodiana apresenta uma versão ligeiramente romanceada de Maria e sua relação com os Von Trapp. Na Primeira Guerra Mundial, aliado da Alemanha, o austríaco Von Trapp, no comando de um submarino U-5, ficou famoso por atingir navios adversários. Entre eles estavam o couraçado francês Léon Gambetta, torpedeado em 1915; um submarino italiano no mesmo ano; o Nereide, e, no mesmo mês, afundou o cargueiro grego Cefalonia. Antes, com um megafone, pediu aos tripulantes para descerem os botes e saírem. E orientou-os sobre como chegar à costa. No final da guerra, visto como uma lenda, havia torpedeado onze navios mercantes de quatro nacionalidades, além das vitórias sobre o Gambetta e o submarino italiano Nereide, e a captura de um outro cargueiro civil.

Com a derrota da Alemanha na Primeira Grande Guerra, ela foi obrigada a assinar o em 1919 o Tratado de Versalhes, um tratado de paz assinado pelas potências europeias que encerrou oficialmente o conflito, ponto um fim aos confrontos. Ele foi assinado em Paris, após seis meses de negociações, e seu principal ponto determinava que a Alemanha aceitasse todas as responsabilidades por causar a guerra e que fizesse reparações a um certo número de nações da Tríplice Entente. Como devolver terras e pagar altas quantias em dinheiro para os países vencedores. Derrotada ao lado da Alemanha como aliada, a Áustria também perdeu territórios. A humilhação fez surgir uma onda de revanchismo alemão, que acabou culminado com ascensão de Hitler ao poder e a eclosão do segundo conflito mundial. Quando Hitler chegou ao poder, anulou o Tratado de Versailles, rearmou a Alemanha, e invadiu e anexou a Áustria ao seu território. Depois a Áustria foi usada como campos de concentração para Judeus, o mais famoso foi o de Mauthasen, em Viena.

Von Trapp, mesmo sem emprego, era um homem rico. Sua mulher, Agathe, herdara a fortuna de Robert Whitehead, seu avô, o inventor do torpedo. Com a Segunda Guerra Mundial batendo à porta, o Capitão Von Trapp é chamado em 1936 pela Kriegsmarine, a Marinha do Reich nazista ao lado de Hitler. Porém, Von trapp assistiu um comício de Adolf Hitler, austríaco como ele, e não gostou da encenação. Não batia com suas convicções. Portanto, por não concordar com seus ideais. Porém, não obstante o filme reproduzir o real interesse dos nazistas pelos serviços do Capitão Von Trapp, expert em guerra submarina, como um dos oficiais de sua Marinha, o episódio da perseguição da Gestapo, a polícia política do nazismo, aos Von Trapp não ocorreu.


Chegando à casa do Capitão para o desafio de cuidar de sete crianças.
Com a morte de sua esposa Agathe aos 32 anos, em 1922, de escarlatina, quatro anos depois Von Trapp contrata a noviça Maria, do monastério beneditino de Nonnberg, para cuidar de seus filhos. Ela tem 21 anos, ainda não sabe o que quer da vida e tem dificuldades de adaptar-se às normas rígidas do convento onde vive, por possuir um espírito livre e amar a natureza. Faceta essa, muito bem explorada pela competência de Robert Wise, que mostra o enorme contraste existente entre a sequência inicial, com Maria correndo e cantando na montanha, e o visual sombrio e austero do convento, indicando o quanto ela se sente deslocada naquele ambiente repressor. Portanto, a Madre Superiora, sagaz, percebe isso e aproveita o pedido de Von Trapp e decide envia-la à mansão na esperança que assim ela descubra se possui ou não real vocação para se tornar freira, ou se é apenas um entusiasmo passageiro. 

Maria entrando espavorida no convento, após descer da montanha.
Seu trabalho será como babá de sete adoráveis e espevitadas crianças, que fazem de tudo para chamar atenção de um pai que viaja muito. Nervoso e autoritário. ele tenta a todo custo impor a seus filhos a mesma disciplina que impunha a seus marinheiros. Para ele, a disciplina parece ser a única forma, sem a presença da mãe, de manter o controle sobre seus filhos. Christopher Plummer, apesar de sua limitação dramática, consegue se sair bem, dando charme ao seu Capitão e ao mesmo tempo que aquele ar severo de militar. Sob aquela aparência de durão porém havia um coração sensível e muita simpatia, que precisava apenas da pessoa certa para quebrar a espessa capa de gelo que o envolvia. 

A chegada da moça vai mudar completamente seu comportamento, a rotina e o destino daquela família, ainda mais quando ela se apaixona pelo Capitão, que já estava comprometido com a rica baronesa Elsa Schraeder, vivida pela bela Eleanor Parker (1922-2013). Sem agradar muito no início, hostilizada pelas crianças e desobedecendo ordens ela chega a ser despedida. Com o tempo ela consegue encantar a todos, especialmente o Capitão. Maria altera de forma dramática a vida da família Von Trapp ao trazer de volta a  alegria, conquistando o carinho e o respeito das crianças. No início ela enfrenta alguns problemas com o Capitão, mas este acaba se rendendo aos seus encantos e simplicidade, desenvolvendo um grande afeto por aquela jovem que conseguiu fazer o que nenhuma outra governanta havia antes feito por seus filhos. Eles acabam se apaixonando, e o Capitão, antes comprometido com baronesa, rompe o noivado para poder se casar com Maria. O convento perde sua noviça e a família Von trapp ganha um nova vida. 



O Capitão se rende aos encantos de Maria, que observa ao fundo,
e canta Edelweiss com as crianças
.
E essa mudança começa na primeira metade do filme, com a capa de gelo se desfazendo, primeiramente ao lado da Baronesa, especialmente quando aceita que os filhos cantem novamente. A música mostra nessa sequência seu enorme poder de sensibilizar as pessoas. É nesse instante, após uma briga com a noviça Maria que o Capitão se junta às crianças para cantar Edelwiss, iniciando assim sua mudança de comportamento. Vale aqui ressaltar mais um momento de brilhantismo do roteiro, usando inteligência para mostrar a mudança de humor e aititude do Capitão de forma a evitar os clichês habituais encontrados nesse tipo de situação com mudanças repentinas e injustificáveis

Sem agradar muito no início, desobedecendo ordens e chegando a ser despedida, ela consegue com o tempo encantar a todos, principalmente ao Capitão. O fato é que Maria altera de forma dramática a vida da família Von trapp ao trazer de volta a  alegria e conquistar o carinho e o respeito das crianças. No início ela enfrenta alguns problemas com o Capitão, mas este acaba se rendendo aos encantos e simplicidade dela, desenvolvendo um grande afeto por aquela jovem que conseguiu fazer o que nenhuma outra governanta havia antes feito por seus filhos. Eles acabam se apaixonando, e o Capitão, antes comprometido com Elsa Schraeder, uma rica baronesa de Viena vivida pela bela Eleanor Parker (1922-2013), rompe o noivado para poder se casar com Maria. O convento perde sua noviça e a família Von Trapp ganha um nova vida. 


O Capitão perfilando as crianças com ridículo apito.
Antes da chegada de Maria, varias outras governantas fracassaram na espinhosa missão de cuidar dos capetinhas. Algumas não chegaram a ficar mais que um par de horas antes de se demitirem. Eram cinco meninas e dois meninos e o Capitão Von Trapp, cuja esposa já havia falecida. Desde então, o viúvo Capitão cuida dos seus sete filhos como se fossem um dos seus soldados, sem deixá-los brincar, cantar e se divertir. A ponto da comunicação com eles se dar através de um ridículo apito. A casa havia perdido a alegria, estava como que num estado de depressão. Fräulein Maria chega para a desafiadora tarefa de conquistar as crianças e, contra a vontade do Capitão, colocar por terra esse estado de coisas, mudando tudo e um novo espírito toma conta da casa. 

Herr Zeller olha com indignação para a bandeira austríaca asteada 
no hall da mansão Von Trapp.
Porém, daí para frente, nem tudo na vida da família Von Trapp será somente felicidade. Após dominarem a Áustria, os nazistas convocam o Capitão para servir na marinha alemã. A família decide, então, fugir de carro através da fronteira. Mas as fronteiras são fechadas e eles se vêem obrigados a caminharem pelas montanhas. Numa das mais emocionantes sequências do cinema, embalada pela canção Climb Every Mountain, o filme termina com a família nas montanhas, mostrando a importância de viver em família, ajudando-se mutuamente.

Maria ajudando as crianças a superar o medo da tempestade.
O roteiro, adaptado por Lehman, não obstante apresentar alguns conflitos que impactam na narrativa, não tem como seu forte a originalidade o que, para o expectador mais atento, torna previsíveis algumas das ações dos personagens. Mesmo assim, o experiente Lehman consegue criar com eficiência um musical que apresenta cenas de suspense. Principalmente aquelas em que os nazistas estão envolvidos. Mas o que importa é que o resultado final, do conjunto, é muito bom, e sua força está mesmo na direção segura de Robert Wise e na qualidade das canções que dão seu toque mágico a este clássico inesquecível.

Coisa de cinema.
Entre os muitos e importantes fatores que levaram esse excepcional projeto a alcançar seu merecido sucesso estão: os fantásticos planos de Robert Wise, que deixam os expectadores de boca aberta com a deslumbrante beleza da região; o clima propício de um país, a Áustria, berço musical de alta qualidade; o competente design de produção de Boris Leven, que acerta na mosca na escolha dos cenários e da mansão; a eficiente fotografia de Ted McCord que aproveita a luz do dia em grande parte do tempo e aposta em cores vivas para criar um visual coerente com o espírito alegre da protagonista Maria; os figurinos de Dorothy Jeakins (1914-1995), particularmente quanto as roupas coloridas das crianças; o uso eficiente das sombras, imitando os filmes noir, que tornam mais tensa a eletrizante sequência dentro do convento, quando os Von Trapp são caçados pelos nazistas, logo após o festival de música; e, por fim, o momento do tão esperado primeiro beijo do casal. Preparado cuidadosamente sob uma atmosfera romântica, bela trilha sonora e filmado pelo mágico plano que enquadra o casal de mãos dadas sob a luz do luar. Coisa de cinema.


So long, farewell, auf wiedersehen, good night / I hate to go and leave this pretty sight / So long, farewell, auf wiedersehen, adieu / Adieu, adieu, to yieu and yieu and yieu

Por Luiz Alvarenga

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